quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Música e instrumentos musicais

"Nada mais insípido, monótomo, insignificante" que a música local, escrevia o francês Eugène Gellion-Danglar em 1867, numa de suas Lettres d'Egypte (Cartas do Egito). Para o autor, essa música não passava de uma "mistura confusa e indecisa". Os sons "fundem-se uns nos outros", o ritmo é quase sempre o mesmo, e "tudo isso não forma nenhuma espécie de harmonia".

Na Europa, ouvir um concerto é um ato silencioso. No Egito, a falta de reação do auditório seria tomada como desinteresse. Boa música suscita emoção no público, provoca tarab, um prazer próximo ao êxtase.



Os artistas que surgem nesse período, na corte quedival, são acompanhados por pequenas orquestras, com instrumentos tradicionais:
  • ud – alaúde de braço curto e sonoridade grave
  • qanun – espécie de citara em forma de trapézio, que é posta deitada numa mesa ou no colo
  • rababa – viola com uma ou duas cordas, cuja caixa feita de coco recebe uma membrana de couro
  • flauta nay – pedaço de bambu com 6 furos
  • arghul – clarinete duplo

Alguns desses instrumentos lembram os representados em baixos-relevos faraônicos. Mas daí a falar de uma música nacional, milenar, que teria atravessado os séculos! Vestígios dessa música subsistem nas tradições rurais do Alto Egito e na liturgia copta, mas as harpas e as liras antigas desapareceram. Já o Egito árabe foi marcado por influências turcas e persas.

O disco surgiu às vésperas da Primeira Guerra Mundial. À música folclórica, tocada por desconhecidos, e à música "erudita" reservada à corte quedival, somou-se a canção ligeira, com letras ousadas, quando não maliciosas, a taqtuqa. Paralelamente, o surgimento de salas de espetáculos incentivou compositores em evidência, como Sayed Darwish, a criar óperas de coloração nacionalista, muito apreciadas pelo público.

Na década de 1930 houve nova mudança com o aparecimento do filme musical e dos gigantes da canção egípcia moderna. Apesar de ser filho de um modesto muezim e ter começado salmodiando o Corão, Mohammed Abdel Wahab (1897-1991) sofreu influências ocidentais e as impôs no Cairo graças a um imenso talento.

A canção egípcia impôs-se então em todo o mundo árabe, "do Oceano ao Golfo". Os monstros sagrados dessa época atuaram como protagonistas em filmes musicais. Mas novas influências ocidentais originaram uma dance music local, com órgãos, guitarras elétricas, percussões e sintetizadores. Mais curtas e menos elaboradas, canções "para os jovens" apareceram em eco ao rai magrebino. Ao mesmo tempo, nos subúrbios e nos bairros modestos das grandes cidades nascia uma música chaabi (popular). Mesclando o rural e o urbano, com intérpretes de voz potente e inflexão irreverente, muitas vezes provocante, desagradava aos ouvidos mais delicados.

A música egípcia nunca foi tão diversificada quanto é hoje. Os religiosos sufistas continuam responsáveis pela música em ocasiões importantes (casamentos, circuncisões, enterros, muleds), nas quais costumam salmodiar a meia voz suratas do Corão ou recitar admiravelmente os 99 nomes de Deus.

A música tradicional tem seu lugar assegurado. Vários grupos, bem sucedidos em suas respectivas regiões, ganharam notoriedade nacional e até internacional. Depois do trompete, do saxofone e do acordeão, outros instrumentos ocidentais foram incluídos nas orquestras. Mas ainda é ao ritmo da darabuka (ou tabla) que se faz música popular. Trata-se de um vaso de terracota em forma de funil, sobre o qual se estica um pedaço de couro de cabra a ser percutido com as pontas dos dedos depois de colocar o instrumento debaixo do braço ou entre as coxas. Mesmo sem a darabuka, qualquer grupo de jovens espontaneamente começa a cantar e a bater palmas em substituição àquele instrumento.



Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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