domingo, 29 de agosto de 2010

A Ama

Após o nascimento da criança, entra em cena – a ama. Em muitos casos a própria mãe amamentava o filho, mas a ama a assistia para resolver os problemas que surgissem.

A primeira questão era dar nome à criança, que recebia dois nomes:
  1. utilizado diariamente
  2. que definia o seu ser autêntico e secreto (nome dado pela sua mãe e revelado à criança caso esta se mostrasse digna)
Os nomes dos egípcios e das egípcias eram extremamente variados, e especialistas na matéria redigiram abundantes repertórios. A mãe pode dar ao filho o nome de "o Sírio", "o Núbio", mesmo que não seja originário dessas regiões; mas porque considera que sua existência estará relacionada com elas; também escolhe "a Bela", "o Guardador de pássaros"... o fato de atribuir um nome implica um dom de vidência praticado quer pela mãe, quer por uma mulher consultada. Cada nome tem um sentido preciso, que orienta a existência do seu portador.


A importância da ama
Várias tiveram um importante papel na corte egípcia. Tiyi – esposa do dignatário Ay, futuro faraó, e que deu o seio a Nefertiti e educou-a. Chamava "Grande ama" àquela que amamenta um futuro rei. Dispondo de um servo, a ama real tem ainda a possibilidade de mandar escavar um belo túmulo.

Satré, ama da rainha Faraó Hatchepsut, teve o grande privilégio de ver sua estátua colocada no interior do templo de Deir el-Bahari.

Datados da época baixa, determinados contratos especificam que, em troca de honorários, a ama se comprometia a amamentar a criança ou a tratar dela durante um período bem determinado. Também exercia uma função médica e tratava em particular da incontinência urinária da criança, fazendo-a absorver pílulas compostas de parcelas de pedra fervida ou de um líquido à base de cana. O pior para uma ama era não ter leite, ela dispunha de um remédio eficaz contra este inconveniente: ungir as costas com um unguento a base da espinha dorsal de um peixe, o lates niloticus, cozida em azeite.

Como as crianças tinham que ser amamentadas durante pelo menos 3 anos, segundo as prescrições médicas, o trabalho não faltava às amas, sendo mais bem pagas do que certos terapeutas.

Considerado como "o líquido que cura", o leite era examinado com atenção, devia ter o cheiro das plantas aromáticas ou de farinha de alfarroba. A longa duração da amamentação explica a inexistência de raquitismo nos esqueletos das crianças egípcias. O leite podia ser recolhido em recipientes de barro em forma de mulheres apertando os seios e com uma criança no colo.

Tratar os seios das amas era uma tarefa essencial, destinada a evitar pruridos, sangrias e supurações. Os médicos utilizavam produtos à base de cana, fibras vegetais, pistilos e estames de junco.


Leite para o faraó
Em uma estela da XVIII dinastia vemos uma mulher de peruca, sentada numa cadeira de espaldar baixo, dando o seio a uma criança, provavelmente um rapaz, deitado em seu colo. Diante dela, uma das suas filhas despeja água num recipiente, praticando um rito de purificação. Atrás, uma segunda filha traz flores de lótus. As 3 crianças celebram a memória da sua falecida mãe, e esta cerimônia de amamentação tem de exepcional o fato de se desenrolar no ouro mundo, onde a mulher, para sempre viva, continua a exercer a sua função de nutriente.

O leite dá vida, poder e uma longa existência. Hórus conseguiu reconquistar a sua antiga realeza porque foi amamentado por Ísis. Desde a época do Texto das Pirâmides, o mais antigo corpus sagrado, a amamentação faz parte dos ritos de coroação do faraó, que graças a ela volta a ser vivo, reconhecendo a capacidade de exercer as funções reais.

A amamentação implica mais do que a absorção de uma beberagem eterna, é mais do o gesto de uma proteção mágica ou de um simples rito de adoção... Trata-se de uma espécie de iniciação. A alcançar a sua nova dignidade, o Faraó entra no mundo dos deuses. (Jean Leclant)

Fonte: 'As egípcias' de Christian Jacq

sábado, 28 de agosto de 2010

A batalha de Megido

Uma aliança de cidades cananéias era liderada pelo rei de Cades no Orontes e o rei de Megido. A fim de reprimi-los Thutmose III (imagem ao lado em Karnak) marchou com seu exército em dez dias de sua fortaleza da fronteira Sileh de Gaza, a principal fortaleza egípcia em Canaã. Depois de outros onze dias chegaram a Yaham, onde realizou um conselho de guerra. Sabia que os cananeus tinham-se concentrado com suas forças perto de Megido para o qual existem três vias de acesso:

  1. norte
  2. sul
  3. central através de Aruna, menos facilmente defensáveis.
Os generais sabiam sobre a rota Aruna que estava sendo bloqueado pelas forças dos cananeus e aconselhou o faraó a tomar Yokneam ou rota Taanakh.

"Agora, dois (outros) as estradas estão aqui. Uma das estradas (eis que é [a leste de] nós, assim que ele sai na Taanakh. O outro (eis que é para o lado norte da Djefti, e nós vamos sair para o norte de Megiddo. Vamos continuar nosso Senhor vitorioso sobre a [eles], que é satisfatório [a] seu coração, (mas) não nos fazem ir nessa estrada difícil! " Inscrição do Templo Amon em Karnak - JB Pritchard antigos textos do Oriente, 1969: p. 234.

Tutmés rejeitou os argumentos de seus generais, estabelecidos na rota Aruna, atingiu o rio ao sul de Megido Qinah sem qualquer oposição.

Foi então que a disposição das forças cananéias ficou clara. Um contingente de soldados guardavam a estrada do sul de Taanakh. Os carros estavam concentrados em torno de Megiddo, aguardando as forças egípcias para atacar os soldados. Os egípcios os perseguindo iria quebrar o franco e poderiam ser atacados pelos cananeus cavaleiros escondidos.

Eis que Sua Majestade veio adiante, juntamente com seu exército vitorioso e que encheram o vale; deixar nosso vitorioso Senhor escutai-nos desta vez, e vamos aguardar o nosso Senhor para nós a retaguarda de seu exército e seu povo. Quando a traseira do exército veio direto para nós, então vamos lutar contra esses asiáticos e não teremos nenhum problema sobre a retaguarda do nosso exército.

A conquista de Megiddo e seus habitantes foi vital, e caiu após um cerco de sete meses. Todos os príncipes de todos os países do norte são colocados dentro dele. A captura de Megido é a captura de mil cidades.

As forças rebeldes dispersas, incluindo os reis de Megido e Kadesh, conseguiram reorganizar-se dentro da cidade, e ajudaram aos que tinham ficado fora a subir a muralha. Os egípcios, entretenidos saqueando o acampamento rebelde, perderam a oportunidade de uma rápida conquista vendo-se obrigados a sitiar Megido durante sete meses, depois dos quais a cidade foi rendida, ainda que o rei de Kadesh escapou. O botim conseguido pelos egípcios ficou anotado em Karnak:

  • 340 prisioneiros vivos e 83 mãos
  • 2.041 éguas, 191 potros, 6 sementales
  • uma carroça trabalhada em ouro, sua vara de ouro, deste vil inimigo; uma formosa carroça trabalhada em ouro do príncipe de Megido
  • 892 carroças de seu miserável exército ao todo, 924 carroças
  • uma formosa armadura de bronze pertencente ao príncipe de Megido, 200 armaduras de seu vil exército,
  • 502 arcos,
  • 7 varas de madeira do inimigo, trabalhadas em prata
  • 1.929 cabeças de ganhado grandes,
  • 2.000 de ganhado pequeno, 20.500 ovelhas.
(Posteriormente em Yenoam, Nuges, Herenkeru e outras cidades rendidas nesta mesma campanha tomar-se-ia mais botim, incluindo reféns e escravos).

Seguindo o costume da época, Tutmosis III tomou como reféns os filhos da cada um dos reis derrotados. Após ser educados na corte egípcia, foram devolvidos a seus lugares de origem, onde governaram com o consentimento do Egito.

A vitória de Megido foi só o começo da pacificação de Canaã e Síria. A esta batalha seguiriam uma série de campanhas, com periodicidade quase anual, que suporiam a expansão do poder do Egito até o norte de Mesopotamia.

Tutmés levou muitas campanhas mais em Canaã, e oito anos após a batalha de Megiddo tomou Kadesh no Orontes. Após a conquista do Retenu, ele construiu uma grande frota naval, que foi fundamental em sua extensão e influência egípcia sobre grande parte do litoral do Oriente Próximo. Seu exército poderia chegar a qualquer cidade costeira na Síria por via marítima, em 4-5 dias, enquanto a pé, a viagem iria demorar mais de uma quinzena. Surpresa foi uma importante arma em seu arsenal.


Fonte: Wikipédia ; Wikilingue e reshafim.org.il

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Tutmés I e Tutmés II

Tutmés I
Terceiro rei da XVIII dinastia egípcia, sucessor de Amen-hotep I. Teve um reinado de treze anos, ficando conhecido por ter concedido ao Egito um grande poderio militar. Suas origens familiares não são claras. Para alguns especialistas, ele seria filho do rei Amen-hotep I e de uma concubina de nome Semiseneb. Habitualmente considera-se que a sua legitimação como rei advém do fato de ter casado com Ahmose, filha do rei Ahmés e da rainha Ahmés-Nefertari e irmã de Amen-hotep I. Uma vez que Amen-hotep I não tinha gerado um sucessor quando morreu, Tutmés virou rei devido ao seu casamento com a irmã do falecido monarca, o que demonstraria a importância da mulher na dinastia real. Da união entre Tutmés e Ahmose resultaram dois filhos e duas filhas. Uma das suas filhas foi Hatchepsut, que mais tarde se tornaria soberana do Egito.
  • Tutmés foi enterrado no Vale dos Reis.


Tutmés II
Quarto rei da XVIII dinastia egípcia. O historiador Maneton atribui-lhe um reinado de treze anos, mas este valor é discutido por alguns egiptólogos, que consideram mais provável ter reinado três anos. Deixou poucas inscrições nos monumentos e é pouco referido nas autobiografias da época do Império Novo. Filho de Tutmés I e de uma esposa secundária, Mutnefert. Assim sendo ocupava uma posição relativamente inferior à da sua meia-irmã Hatchepsut, que era filha de Tutmés I com a sua esposa principal. Para reforçar a sua legitimidade real, Tutmés II casou com Hatchepsut, que se julga um pouco mais velha que ele.

– Teve com Hatchepsut duas filhas as princesas:
  1. Neferure e
  2. Neferubiti.
– Com a sua esposa secundária, Ísis:
  1. o futuro Tutmósis III, que declarou seu herdeiro antes da sua morte.
Vários documentos referem-se às suas campanhas militares, mas alguns investigadores duvidam que o próprio tenha liderado em pessoa essas campanhas; em vez disso estas teriam sido protagonizadas pelos seus generais. No ano 1 do seu reinado esmagou uma revolta na Núbia, que terá levado ao fim do reino de Kush. Conhece-se também uma campanha contra beduínos do sul da Palestina. Há quem sugira que devido à fraca saúde de Tutmés a sua esposa Hatchepsut pode ter sido a verdadeira soberana durante este período. Isto também explicaria o fato de Tutmés II ter nomeado o seu filho como sucessor antes de morrer, talvez para impedir o avanço da sua esposa como monarca do Egito.
  • A sua múmia foi encontrada em 1881 em Deir el-Bahari, mas não se conhece ao certo o seu túmulo (que se julga estar no Vale dos Reis).

Fonte: Wikipédia

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Cruzeiro pelo Nilo

O Nilo, coluna vertebral do território egípcio, foi a principal via de comunicação na época faraônica. Uma forma diferente de ver o país, do Cairo até a Núbia, consiste em utilizar o meio de transporte de que já se serviam os antigos egípcios: o barco. Quer se viaje em luxuosos cruzeiros, em ferrys quer nas típicas falucas, a paisagem é sempre fascinante.

Uma vez no Egito, o ponto de partida da viagem é o Cairo. Em um dos braços do rio adaptados para fazer o percurso inicia-se um cruzeiro que termina em Assuã, depois de subir o Nilo. Durante a viagem, vale a pena fazer algumas paradas para visitar certos lugares interessantes próximos às margens ou, simplesmente, para desfrutar a paisagem.


O Baixo Egito
À medida que o barco penetra no país, o Nilo se parece cada vez mais com o rio de 5000 anos atrás. Os homens compartilham a água com os animais, e a vegetação das margens atrai uma multidão de espécies. É fácil ver ibis, pássaros sagrados para os antigos egípcios, e até poucos anos atrás, o Nilo ainda contava com a presença de outro animal sagrado, mas muito perigoso – o crocodilo. Entrando no Médio Egito, pode parar em Beni Hassan. No local onde o barco atraca, deve-se tomar um transporte terrestre para chegar a um interessante conjunto de túmulos do Médio Império. Da cobertura do barco, pode se ver o conjunto de Gizé, tal como se avistaria do cais do templo chamado Vale.

De regresso ao barco, na margem oposta, podem visitar-se os restos da antiga Hermópolis Magna, ou ainda parte de um templo da Época Ptolomaica dedicada ao deus Tot. Mais para o sul fica Tuna el-Guebel, com túmulos de personagens da época greco-romana e de íbis e babuínos mumificados. Muito próximo encontra-se uma estela que marcava o limite da cidade de Akhenaton ou Tell el-Amarna, onde se faz uma paragem. Entre os locais mais interessantes para visitar encontra-se Abidos, com o templo de Set I dedicado a Osíris; os seus baixos-relevos estão muito bem conservados e no seu interior pode ver-se uma das listas reais mais famosas, com os nomes dos faraós esculpidos numa das suas paredes. Antes de chegar a Luxor, o barco para em Dendera, onde se visita um templo da época greco-romana dedicado a Hathor. Embora em processo de reconstrução, oferece uma ideia bastante precisa de como era um templo egípcio. A partir da açotéia, onde existem várias capelas, desfruta-se de uma vista magnífica de todo o complexo. É curioso observar que o lago sagrado, antes com água, ainda conserva a umidade e permite o crescimento de plantas no seu interior. O pôr-do-sol contemplado da açotéia do templo de Dendera é um espetáculo mágico.


Tebas, e a margem oriental
A atual cidade de Luxor está construída sobre parte da antiga Tebas, uma das capitais do Egito faraônico. Na margem oriental do Nilo, encontram-se os principais edifícios de culto:
  • o complexo sagrado de Karnak e a 3 km, o de Luxor.
A grandiosidade de Karnak pode ser apreciada logo que o barco atraca no cais, de onde se avista a avenida de esfinges que conduz ao interior. As suas salas, com autênticos bosques de colunas e os seus baixos-relevos revelam o que se quer dizer quando se fala de uma obra "faraônica". O trajeto até Luxor pode ser feito de carro, o que permite desfrutar de um passeio pela avenida marginal do Nilo. O templo, com um interessante espetáculo noturno de luz e som, surpreende pela sua grandiosidade e pela presença de uma mesquita no seu interior.


Tebas, a margem ocidental
Dedicada a outros templos e a diversos edifícios funerários. Saindo do cais, de ônibus, taxi, bicicleta ou mesmo em lombo de burro, chega-se a Deir el-Bahari, onde se encontram os templos funerários de Mentuhotep II e de Hatchepsut. Do outro lado da montanha na qual estes templos estão escavados encontra-se o Vale dos Reis. O túmulo de Tutâncamon e o de outros faraós menos populares merecem uma visita. Um pouco mais longe, em Deir el-Medina, ficam os túmulos do Vale dos Nobres, não tão conhecidos mas muito bem conservados. O túmulo de Nefertari, no Vale das Rainhas, é um belo exemplo de túmulo real. E se os templos de Karnak e Luxor são majestosos, os de Medinet Habu e Ramsés não deixam a desejar, sendo visita quase obrigatória, sem esquecer os famosos colossos de Memnon.


Viagem ao sul
A caminho de Assuã vemos alguns dos templos mais espetaculares de todo o Egito. O primeiro é o de Esna, do qual só se conserva a sala hipostila, construída na época do imperador Claudio. À medida que se avança para o sul, o calor é mais sufocante e a vegetação que cresce nas margens do rio torna-se mais espessa. O conjunto dedicado ao deus-falcão Hórus em Edfu conservou-se em muito bom estado por ter ficado praticamente coberto pela areia até o início do século XX. Este templo segue as diretrizes dos templos ptolomaicos, com pilones na entrada, pátio com estátuas de falcões a seguir e finalmente, o templo propriamente dito. Um pouco mais ao sul fica o templo de Kom Ombo, dedicado ao deus crocodilo Sobek, animal sagrado do qual se podem ver algumas múmias, e ao deus-falcão, Haroéris. Esta é a última paragem antes de chegar a Assuã. Aqui a população é heterogênea e caracteriza-se pela sua afabilidade. Um passeio de falua ao entardecer pode ser um dos momentos mais idílicos do cruzeiro. Numa dessas embarcacões, chega-se ao templo de Filae, transferido para a ilha de Agilkia devido à construção da barragem de Assuã. Nesse local, último reduto da escultura faraônica, pode-se visitar o templo ptolomaico de Ísis e o seu nilômetro. Para chegar a Abu-Simbel, é necessário fazer uma excursão de ônibus ou um pequeno percurso de avião. Apesa da elevadas temperaturas da região, os templos que aqui se podem visitar são a joia de ouro do cruzeiro pelo Nilo.



imagem do bolg Khan el Khalili-Egypt



Fonte: Egitomania, o fascinante mundo do antigo Egito - fascículos 2001

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Grandiosidade de Abu-Simbel

Em um local situado às margens do Nilo, na Baixa Núbia, atualmente conhecido pelo nome árabe de Abu-Simbel, ergue-se duas das mais grandiosas construções da história do Egito faraônico.





Os dois templos que Ramsés II mandou construir em Abu-Simbel são dois hipogeus escavados na rocha. O modelo utilizado na sua construção seguiu a planta típica dos templos do Novo Império, embora adaptada à topografia do local, uma montanha, e à natureza do material escavado, a rocha. Aproveitando duas antigas grutas dedicadas as divindades locais, ampliou-se a cavidade interior e criaram-se as diferentes salas. Não foi só a aparência do lugar que se alterou: os deuses antigos também foram substituídos por alguma das mais destacadas divindades do panteão egípcio – Rá-Harakhte e Hathor, com os quais se identificavam o faraó e sua esposa favorita, Nefertari.

O interior dos dois templos articula-se ao longo de um eixo longitudinal, que termina no santuário ou capela dedicado, no templo maior, a Ptah, Amon-Rá, Ramsés divinizado e Rá-Harakhte. No Pequeno Templo, o faraó aparece ao lado de Hathor, identificada com sua esposa. Depois de se passar a ombreira, entra-se na primeira sala hipostila, dividida em três naves por duas fileiras de pilares. No Grande Templo, estes pilares são de tipo osiríaco: encostado em cada um deles, há um colosso de rei representado como Osíris mumificado. No Pequeno, os pilares são hathóricos – um baixo relevo na frente do pilar que dá para a nave central representa a deusa sob a forma de cabo de sistro, instrumento musical parecido com uma matraca. Quanto ao resto, as plantas das duas salas são diferentes. O templo maior apresenta uma segunda sala hipostila menor, antes de se chegar à câmara que antecede o santuário, e um maior número de salas secundárias laterais. A decoração interior dos dois templos evoca as batalhas que Ramsés II travou, rituais religiosos e cenas da vida cotidiana do casal real. Esta obra magnífica foi construída para glorificar o poder do faraó, finalidade plenamente cumprida, tal como atestam as imponentes fachadas.

  • Esta monumentabilidade foi preservada em 1964 quando, devido à construção da barragem de Assuã, os templos foram desmontados, cortados em blocos e transferidos para 65 m acima do seu local original.


O Grande Templo
Quatro grandes estátuas do faraó sentado, com quase 21 m de altura, em grupos de duas, presidem à fachada do templo. Nelas, o faraó aparece com a coroa dupla do Alto e do Baixo Egito. Das quatro, a mais bem conservada é a da extrema esquerda. Sob a entrada do templo, abriu-se uma cavidade, em que se colocou uma estátua de Rá-Harakhte empunhando os outros dois símbolos que compõem um dos nomes do faraó: uma figura de Maat e um cetro de user.

O Pequeno Templo
A fachada oriental do templo dedicado a Hathor e a Nefertari consta de seis estátuas com 10 m de altura. Quatro representam o faraó e duas a esposa Nefertari, que obteve a rara honra de as suas estátuas serem do mesmo tamanho das do faraó. Esculpidas no interior de nichos, as esculturas têm a perna esquerda mais à frente e, ao lado de cada uma, estão representados príncipes e princesas. A rainha identificada com a deusa Hathor, ostenta uma coroa com o disco solar entre os chifres de uma vaca sobrepostos a duas penas. A imagem atual do novo local do templo fala-nos de um meticuloso trabalho de conservação.

A descoberta
A exploração de Abu-Simbel começou em 1813, quando o historiador suíço Johann Ludwig Burckhardt, ao visitar o então já visível templo de Hathor-Nefertari, se afastou alguns metros e descobriu o busto de um colosso que emergia de um monte de areia. A partir desse momento, o lendário e colossal templo de Abu-Simbel tornou-se uma realidade. Poucos anos depois, em 1815, Giovanni Belzoni libertou-o parcialmente da sua prisão de areia e encontrou uma porta de acesso ao interior.

A conservação natural
A grande quantidade de areia que o tempo e o vento do norte acumularam na fachada, bloqueando a entrada, permitiu a conservação dos objetos e pinturas que se encontravam no interior. As paredes, com cenas da vida de Ramsés II, os pilares osiríacos, com os magníficos colossos do faraó, e o teto com os seus variados temas revelaram as suas cores vivas em que a areia foi retirada.

A adaptação da planta
Salvo ligeiras variações, o modelo de planta seguido quando se erigia um templo era o utilizado no Templo de Khonsu, em Karnak. Em contrapartida, tanto no Grande Templo, dedicado a Ramsés II e a Rá-Harakhte, como no Pequeno Templo, dedicado a Nefertari e a Hathor, esta estrutura teve de ser adaptada ao meio físico em que se encontrava. O pilone que franqueava a entrada foi substituído pela fachada esculpida na encosta da montanha e pelas suas diferentes estátuas em alto-relevo. Apesar da ausência de peristilo, mantiveram-se: a sala hipostila, a câmara que antecede o santuário, a capela e várias salas que serviam de armazéns.

Marcas do mundo atual
Os esforços da comunidade científica para preservar este templo, patrimônio cultural da humanidade, deram os seus frutos quando se evitou que desaparecesse sob as águas da barragem de Assuã. No entanto, não foi possível evitar o efeito dos flashes das câmaras dos turistas. Os restauradores também não conseguiram evitar os efeitos das mudanças de temperatura naturais nem os resultantes da presença massiva de visitantes. Um dos resultados mais visíveis dessa deterioração gradual é a perda de vivacidade das cores das pinturas que cobrem os pilares, as estátuas e as paredes.


Fonte: Egitomania, o fascinante mundo do antigo Egito - fascículos 2001


* Ver também: Templo de Abu Simbel

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Música e instrumentos musicais

"Nada mais insípido, monótomo, insignificante" que a música local, escrevia o francês Eugène Gellion-Danglar em 1867, numa de suas Lettres d'Egypte (Cartas do Egito). Para o autor, essa música não passava de uma "mistura confusa e indecisa". Os sons "fundem-se uns nos outros", o ritmo é quase sempre o mesmo, e "tudo isso não forma nenhuma espécie de harmonia".

Na Europa, ouvir um concerto é um ato silencioso. No Egito, a falta de reação do auditório seria tomada como desinteresse. Boa música suscita emoção no público, provoca tarab, um prazer próximo ao êxtase.



Os artistas que surgem nesse período, na corte quedival, são acompanhados por pequenas orquestras, com instrumentos tradicionais:
  • ud – alaúde de braço curto e sonoridade grave
  • qanun – espécie de citara em forma de trapézio, que é posta deitada numa mesa ou no colo
  • rababa – viola com uma ou duas cordas, cuja caixa feita de coco recebe uma membrana de couro
  • flauta nay – pedaço de bambu com 6 furos
  • arghul – clarinete duplo

Alguns desses instrumentos lembram os representados em baixos-relevos faraônicos. Mas daí a falar de uma música nacional, milenar, que teria atravessado os séculos! Vestígios dessa música subsistem nas tradições rurais do Alto Egito e na liturgia copta, mas as harpas e as liras antigas desapareceram. Já o Egito árabe foi marcado por influências turcas e persas.

O disco surgiu às vésperas da Primeira Guerra Mundial. À música folclórica, tocada por desconhecidos, e à música "erudita" reservada à corte quedival, somou-se a canção ligeira, com letras ousadas, quando não maliciosas, a taqtuqa. Paralelamente, o surgimento de salas de espetáculos incentivou compositores em evidência, como Sayed Darwish, a criar óperas de coloração nacionalista, muito apreciadas pelo público.

Na década de 1930 houve nova mudança com o aparecimento do filme musical e dos gigantes da canção egípcia moderna. Apesar de ser filho de um modesto muezim e ter começado salmodiando o Corão, Mohammed Abdel Wahab (1897-1991) sofreu influências ocidentais e as impôs no Cairo graças a um imenso talento.

A canção egípcia impôs-se então em todo o mundo árabe, "do Oceano ao Golfo". Os monstros sagrados dessa época atuaram como protagonistas em filmes musicais. Mas novas influências ocidentais originaram uma dance music local, com órgãos, guitarras elétricas, percussões e sintetizadores. Mais curtas e menos elaboradas, canções "para os jovens" apareceram em eco ao rai magrebino. Ao mesmo tempo, nos subúrbios e nos bairros modestos das grandes cidades nascia uma música chaabi (popular). Mesclando o rural e o urbano, com intérpretes de voz potente e inflexão irreverente, muitas vezes provocante, desagradava aos ouvidos mais delicados.

A música egípcia nunca foi tão diversificada quanto é hoje. Os religiosos sufistas continuam responsáveis pela música em ocasiões importantes (casamentos, circuncisões, enterros, muleds), nas quais costumam salmodiar a meia voz suratas do Corão ou recitar admiravelmente os 99 nomes de Deus.

A música tradicional tem seu lugar assegurado. Vários grupos, bem sucedidos em suas respectivas regiões, ganharam notoriedade nacional e até internacional. Depois do trompete, do saxofone e do acordeão, outros instrumentos ocidentais foram incluídos nas orquestras. Mas ainda é ao ritmo da darabuka (ou tabla) que se faz música popular. Trata-se de um vaso de terracota em forma de funil, sobre o qual se estica um pedaço de couro de cabra a ser percutido com as pontas dos dedos depois de colocar o instrumento debaixo do braço ou entre as coxas. Mesmo sem a darabuka, qualquer grupo de jovens espontaneamente começa a cantar e a bater palmas em substituição àquele instrumento.



Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Saqia

No Egito, a água não cai do céu. É preciso ir buscá-la no Nilo por meio de todo um sistema de canais e elevá-la quando está num nível muito baixo. As máquinas elevatórias são parte do campo egípcio há milênios.


Parafuso de Arquimedes
Usado para uma pequena profundidade. Cilindro de madeira, encaixado num eixo de ferro acionado por uma manivela. A cada volta, mergulha no canal, recolhe água e impulsiona para uma vala de escoamento, no alto.





Chaduf
Usado se o desnível ultrapassar um metro. Dispositivo simples, já existente na época faraônica. Consiste numa longa vara, um balde e um contrapeso. Para mergulhá-lo na água, basta puxar a corda, e o dispositivo se ergue sozinho graças ao contrapeso. Dois ou três chadufs superpostos podem somar seus efeitos.





Saqia
Indispensável para alturas superiores a três ou quatro metros. É a noria, conhecida desde a época romana. Com os olhos vedados, um ou dois animais fazem girar uma roda horizontal a que estão atrelados, essa roda com engrenagens faz girar uma roda vertical munida de potes que recolhem a água e, ao subir, despejam na vala de escoamento. Meio hectare pode ser irrigado em 24 horas. Os animaais são trocados periodicamente. Uma pessoa, muitas vezes um idoso ou uma criança, dá perfeitamente conta de trocar o animal, vigiar os potes, as cordas e as peças de madeira. Na falta desse vigia, o felá garante o funcionamento, graças a um cantil que bate na roda a cada giro.

Os gemidos da saqia inspiraram muitos poetas. Há pouco tempo, ela ainda servia também de quadrante solar, com o auxílio de estacas plantadas no chão: ao deslocar-se no círculo, a sombra indicava a hora. As saqias estão em extinção. Depois de 20 séculos de bons serviços, essas máquinas elevatórias já se tornaram metálicas, mas continuam escasseando. Se tornaram menos necessárias desde que as águas do Nilo foram regularizadas pela barragem de Assuã. Além disso, existem as barulhentas bombas a motor para fazer o trabalho delas.


Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé – fotos: uni-kassel.de

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Estudiosos de Napoleão


Vinte volumes de textos, 1000 pranchas admiráveis, foi o que restou de mais concreto e positivo da Expedição Francesa comandada por Napoleão Bonaparte. Obra prima editorial, Description de l'Egypte imortalizou a impressionante aventura vivida por cerca de 160 civis, "estudiosos" e artistas que acompanharam o Exército do Oriente de julho de 1798 a setembro de 1801.

O empreendimento de Napoleão foi, antes de mais nada, uma expedição militar, destinada a tomar o Egito dos ingleses. Poucos anos depois da Revolução, a França, que se arvorava em defensora dos direitos humanos, não se podia permitir empreender uma operação colonial pura e simples:


  • tratava-se de uma expedição "civilizatória", não para ocupar o Egito, mas para "libertar os egípcios da tirania dos mamelucos" e levar-lhes a "Ilustração". Era também uma expedição científica, para descobrir um país fascinante.
O próprio Napoleão considerava-se um erudito, um estudioso. O general mais glorioso da República fez se eleger no Institut de France para a vaga de Carnot. Nada o deixava mais orgulhoso do que pertencer a essa assembléia de eruditos fundada em 1795 e composta por 5 Academias:
  1. Francesa
  2. Inscrições e Belas Artes
  3. Ciências
  4. Belas Artes
  5. Ciências Morais e Políticas
No Cairo, Napoleão criou o Instituto do Egito inspirado nesse modelo.

Uma nova expedição liderada por Napoleão foi anunciada, e houve uma grande disputa para tomar parte dela. Engenheiros, naturalistas, astrônomos, geógrafos, médicos e artistas candidataram-se e conseguiram incorporar-se ao empreendimento napoleônico. A média de idade era de 25 anos. Napoleão pediu a seus colaboradores que reunissem uma biblioteca de várias centenas de livros, material tipográfico para imprimir em 3 línguas, um laboratório de física, química, observatório, e equipamento completo de aerostação.

Os primeiros passos da terra dos faraós foram difíceis para todos, mas após a vitória das Pirâmides e a entrada de Napoleão no Cairo, a Comissão começou a trabalhar. Criado em 22 de agosto de 1798, o Instituto do Egito ocupou várias casas confortáveis, abandonadas por mamelucos. Compunha-se de 36 membros, divididos em várias áreas:
  • matemática, física, economia política, literatura e belas artes.
O primeiro presidente foi Monge e a vice-presidência coube a Napoleão.

O Egito de 1798 assemelhava-se antes a um país medieval, adormecido há séculos. A tipografia, que permitia a Napoleão imprimir comunicados e panfletos de propaganda em árabe, fascinava os figurões egípcios. Estes nem sempre manifestavam a curiosidade esperada pelos franceses. Ficavam indiferentes às experiências químicas e aerostáticas, por exemplo.

Dois jovens ex-alunos da Escola Politécnica, Prosper Jollois e Edouard Devilliers du Terrage, fizeram pranchas soberbas. Antes deles, os vestígios do Egito Antigo nunca tinham sido produzidos com tamanha precisão. Copiaram centenas de hieróglifos sem compreender seu significado. Depois do fracasso da campanha na Síria, voltaram clandestinamente com Napoleão para o Egito e continuaram seu trabalho. Mediram a pirâmide de Quéops, determiram a localização exata de Mênfis. O projeto de um livro que reunisse todos os estudos realizados no Egito foi lançado oficialmente.

A permanência dos franceses no Egito estava com os dias contados por causa de uma ofensiva militar conjunta, otomana e britânica. O ingleses queriam confiscar todos os objetos e documentos que estavam em poder deles. Geoffroy Saint-Hilaire enfurecido ameaçou então queimar tudo, dizendo aos ingleses que eles seriam responsáveis pelo segundo incêndio de uma Biblioteca de Alexandria. E estes acabaram levando só as peças mais volumosas, entre elas a Pedra de Roseta.

Pouco depois do retorno à França, formou-se uma comissão para preparar, com financiamento do governo, o grande livro no qual seriam publicados todos os estudos feitos na terra dos faraós – Description de l'Egypte. Para execução do projeto, aperfeiçoou-se a fabricação do papel velino e recorreu-se à criatividade de Nicolas Santé, inventor de um tipo de lápis fantástico, como se vira no Vale do Nilo. Aplicou-se também novos métodos na impressão das pranchas.

A obra começou a ser publicada em 1809. Dividida em 3 partes:
  1. Antiguidade
  2. Egito Moderno e
  3. História Natural
Tratava de todos os temas, dos monumentos aos insetos. O mapa do Egito era de tal precisão que Napoleão proibiu provisoriamente sua publicação por questões de segurança.

Os estudiosos e os artistas de Napoleão tomaram os templos por palácios. Sua formação acadêmica impediu-os de adotar sem reservas as linhas egípcias. Mas, sem dúvida, trata-se de uma obra colossal e admirável. Até então nenhum outro país tinha sido objeto de um estudo tão completo e minucioso. A Description pode ser considerada o ato percursor da egiptologia fundada por Champollion alguns anos depois, com a decifração dos hieróglifos.




Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

domingo, 15 de agosto de 2010

Deserto

Visto do alto, o Egito aparece em toda a sua simplicidade, uma estreita fita verde, que vai do sul ao norte, entre duas imensas extensões de areia. Um país concentrado em torno de seu rio e protegido do exterior por vastos desertos. Esta disposição singular explica uma tentação permanente – a da auto suficiência. O deserto era menos árido há 3 000 anos, até o Novo Império, lá caçavam-se leões.

O Vale do Nilo não estava menos cercado, encerrado, estrangulado por um mundo hostil. Era a terra "vermelha", encarnada pelo temível Seth, contra a terra "negra" de Osíris, sua vítima. No deserto imaginavam animais assustadores e fantásticos. Outros bem reais, confundiam-se com deuses:
  1. Anúbis com cabeça de cão,
  2. Hórus falcão,
  3. Sekhmet a leoa

O deserto não é algo isolado, deixa sua marca em todo o vale.

Mesmo fora do oásis, o deserto egípcio é povoado de animais (cobras, lagartos, chacais, águias, gaviões, falcões, etc). Nele se encontram mosteiros, fortalezas romanas, ruínas de templos ptolomaicos, necrópoles antigas. Se no passado eram extraídos ouro e pórfiro, hoje há exploração de ferro, petróleo, gás, manganês e fosfatos.

O objetivo é conquistar o deserto e ampliar a superfície cultivável e habitável. Frutas e legumes já crescem ali graças a perfurações profundas e a uma irrigação gota a gota. A famosa estrada do deserto, criada pela companhia de petróleo Shell na década de 1930 para ligar Alexandria ao Cairo, mudou de natureza. Virou uma verdadeira auto-estrada, ladeada de arbustos, cujas ramificações levam a outras cidades.




Ver solidões passarem umas após as outras, prestar atenção ao silêncio e nada ouvir, nem um canto de pássaro, nem um zunido de moscas, porque não há nada vivo em lugar nenhum. (Le Désert, 1895 - Pierre Loti)




Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

sábado, 14 de agosto de 2010

Gastronomia

Egito Antigo
Carne
Consumida em quantidade, principalmente a do boi. O assim chamado boi africano é um animal com chifres avantajados, de grandes proporções e rápido no caminhar. Esse animal era submetido a um regime de engorda que o tornava enorme e pesado, até o ponto de ficar impossibilitado de andar. Só então estava pronto para o abate. Ao que parece, a carne era servida geralmente cozida, provavelmente em molho, mas havia alguns tipos de carne que eram assadas no espeto. Entretanto, a carne era uma comida de luxo para a maioria das pessoas, que talvez só a consumissem em ocasiões especiais como, por exemplo, nos banquetes funerários. Pedaços de carne são representados frequentemente nos túmulos em estelas, ou compondo o conjunto de produtos dispostos nas mesas de oferendas como eterno alimento para o falecido.

Aves
Uma vez que a galinha só foi introduzida no Egito tardiamente, criava-se e consumia-se outros tipos de aves em grande escala. Em papiros que registram donativos aos templos, as quantidades de aves citadas são impressionantes. Um deles menciona 126 mil e 200 aves, dentre as quais 57 mil e 810 pombos. A caça, portanto, era uma atividade bastante cultivada pelos egípcios. Os galináceos eram consumidos grelhados, de preferência. Entretanto, Heródoto nos conta — e os documentos confirmam a informação — que os egípcios comiam crus as codornizes, os patos e alguns pequenos pássaros que tinham o cuidado de salgar antes. Todos os pássaros restantes eram comidos assados ou cozidos. As aves aquáticas eram abertas e postas a secar. Os templos as recebiam vivas, secas ou ainda preparadas para consumo a curto prazo.

Peixe
Embora em algumas localidades egípcias fosse proibido consumir certas espécies de peixe em datas específicas, a maior parte da população comia peixe normalmente. Por sua vez, os habitantes da região do Delta e os que moravam às margens do lago Fayum eram pescadores por profissão. Quanto aos peixes, Heródoto informa que alguns eram comidos crus e secos ao sol ou postos em salmoura. Entretanto, várias outras espécies eram comidas assadas ou cozidas. Uma vez pescados, os peixes eram estendidos no solo, abertos e postos a secar. Visando a preparação do escabeche, eram separadas as ovas dos mugens. Mais uma vez um papiro cita a quantidade de peixes doados a três templos: 441 mil. Os templos recebiam não apenas peixes frescos, mas também secos. Como se vê, a pesca era outra atividade importante.

Legumes
Rabanetes, cebolas e alhos fazem parte da dieta egípcia, sendo que estes últimos eram muito apreciados. Melancias, melões e pepinos aparecem representados com freqüência nas pinturas dos túmulos, sendo que neles os arqueólogos também encontraram favas, ervilhas e grãos de bico. Nas hortas domésticas cultivava-se a alface, a qual os egípcios acreditavam que tornava os homens apaixonados e as mulheres fecundas e, assim, consumiam-na em grande quantidade, crua e temperada com sal e azeite. Min, o deus da fecundidade, tem às vezes sua estátua erguida no meio de um quadrado de alfaces, sua verdura preferida. Seth, segundo nos conta a lenda, era outro deus apreciador de alface.

Frutas
Com relação aos frutos, consumiam uvas, figos e tâmaras, sendo que estas últimas também eram empregadas em medicamentos. A romeira, a oliveira e a macieira foram introduzidas no Egito somente por volta de 1640 aC. O azeite era utilizado não apenas na alimentação, mas também para iluminação. Frutos como laranjas, limões, bananas, peras, pêssegos e cerejas não eram conhecidos dos antigos egípcios, sendo que os três últimos só passaram a ser consumidos na época romana.

Outros
O leite era recolhido em vasos ovais de cerâmica tampados com um punhado de ervas, evitando-se fechar totalmente a
abertura, para afastar os insetos do líquido. O sal era utilizado na cozinha e em medicamentos. O papel do açúcar era desempenhado pelo mel e pelos grãos de alfarroba. Embora o mel e a cera de abelha fossem buscados no deserto por homens especializados nesse ofício, também havia criação de abelhas no exterior das residências. Para a formação das colméias colocavam-se jarras de cerâmica e os apicultores caminhavam sem proteção por entre os insetos, afastando-os com as mãos nuas para recolher os favos. O mel era mantido em grandes tigelas de pedra, seladas. Em suas iguarias os egípcios empregavam ainda manteiga ou nata e gordura de pato ou de vitelo.

Pães e bolos
Eram preparados nas casas das pessoas ricas e também nos templos, o que incluía a moagem dos grãos. É possível, entretanto, que moleiros e padeiros independentes trabalhassem para atender as pessoas humildes. A panificação era um trabalho conjunto de homens e mulheres.

Bebida
A número um dos egípcios era a cerveja, consumida em todo o país, tanto nas cidades como nos campos. Era feita com cevada ou trigo e tâmaras e sorvida em taças de pedra, faiança ou metal, de preferência em curto espaço de tempo, pois azedava com facilidade. O vinho, sem dúvida, ficava em segundo lugar na preferência etílica dos egípcios, havendo grande comércio do produto. Eles apreciavam o vinho doce, de uma doçura que ultrapassasse a do mel.

Os egípcios alimentavam-se sentados, a sós ou acompanhados, diante de uma mesinha sobre a qual eram postas as provisões. Os rapazes sentavam-se sobre almofadas ou esteiras. Pela manhã não havia a reunião da família para a refeição. O marido e a esposa eram servidos em separado. Ele, tão logo se aprontara e ela ainda quando a penteavam ou logo após. Pão, cerveja, uma coxa de galináceo e um bolo era um bom repasto para o esposo.

– A relação das grandes refeições compreendia:
  • carnes, galináceos, legumes e frutos da estação, pães e bolos, tudo bem regado com cerveja.
Não é de todo certo que os egípcios, mesmo os da classe rica, comessem carne a todas as refeições. Só podiam mandar abater um boi aqueles que estavam certos de o consumir em três ou quatro dias, isto é, os grandes proprietários que tinham um pessoal numeroso, o pessoal do templo, os que davam um festim. As pessoas humildes só o faziam para festas e peregrinações.

Os arqueólogos, em suas escavações, encontraram pratos, terrinas, travessas, cálices, facas, colheres e garfos, o que abre a possibilidade para o consumo de sopas, purês, pratos guarnecidos acompanhados de molho, compotas e cremes. As baixelas dos ricos eram de pedra: granito, xisto, alabastro e uma certa espécie de mármore. As taças de formato pequeno eram de cristal. Por outro lado, o material pictórico deixado pelos egípcios mostra que, à mesa, eles se serviam muito dos dedos (comia-se com as mãos).

Fonte: curiosidades egipcias



Mais recente
A gastronomia não é o forte do Egito. Sua cozinha, frequentemente inspirada em tradições vizinhas (turca ou sírio-libanesa) carece de diversidade e de imaginação. Na verdade, distingue-se pelos excessos. O abuso de samna (espécie de manteiga derretida) torna os pratos demasiado gordurosos. Um dos pratos mais populares, vendido nas ruas:

  • kochari – mistura indigesta de arroz, macarrão, lentilha e cebola frita, tudo regado com molho de tomate e muito temperado.

Com os legumes recheados, a história é outra. Os egípcios são exímios na arte de embalar recheios em pimentões, berinjelas e folhas de parreira.
  • Bamya – pequeno chifre grego, às vezes cozido com carne de carneiro, mas sempre acompanhado de molho e arroz com aletria.

A iguaria do rei é a molokheya. Num primeiro momento, o prato pode surpreender, mas um paladar treinado sabe apreciar suas qualidades. Há um modo especial de picar as folhas de juta comestíveis, que são a base do prato. As folhas são acrescentadas por último a um caldo feito com dentes de alho, coentro seco triturado e manteiga. Essa sopa verde é acompanhada de arroz, carne ou frango, vinagre e pão seco, mas não de qualquer jeito: cada conviva dispõe os ingredientes no prato à sua maneira, segundo um rito pessoal. Comer a molokheya assemelha-se a uma liturgia. O califa fatímida Al-Hakim (996-1021), para quem uma loucura a mais ou a menos não fazia diferença, tinha proibido esse prato.


Sobremesas


É preciso citar o om ali – folhas de massa cozida, mergulhadas em leite com açúcar, pistaches, amêndoas e nozes. A combinação é saborosa. Há um creme com leite aromatizado, bem mais leve, a mehallabeya.





Carne
Comer carne todos os dias é um luxo. Muitas aldeias do Alto Egito nem possuem açougue. Alimentar-se bem continua a ser um privilégio, e metade das famílias gasta mais de 3/4 de sua renda com alimentação. Na classe média, um homem não se sentiria de fato casado, se chegasse em casa e não encontrasse o ensopado cotidiano. "O caminho mais curto para o coração de um homem passa pelo estômago", afirma um ditado que as esposas levam a sério.

  • A obesidade se generaliza de maneira assustadora na população, que abusa não só dos alimentos feculosos e da gordura, mas também do açúcar, quase um objeto de culto. Qualificar alguém de sokkar (açúcar), assal (mel) ou charbatt (xarope, sorvete) é uma forma de elogiar suas qualidades ou sua beleza.

Sementes
Não se pode falar em gastronomia egípcia sem mencionar tassali (divertimentos) e, principalmente, esse esporte nacional que é o consumo de lebb. Nada é mais propício ao devaneio que essas sementes de melancia ou de abóbora (apelidadas de "morenas" e "brancas") secas ao sol, assadas no forno e salgadas. Colocamos a ponta entre os incisivos e, com uma dentada, rachamos a semente, para recolher a amêndoa com a língua. A casca é discretamente cuspida na mão, quando prevalecem as boas maneiras.

Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Abusir

Abusir "Casa e Templo de Osíris" é o nome dado a um sítio arqueológico do Egito - mais especificamente, uma extensa necrópole do período do Antigo Reino, juntamente com adições posteriores - nas redondezas da capital do país, Cairo. O nome também designa a aldeia vizinha, situada no vale do Nilo, de onde o sítio recebeu seu nome.

Abusir localiza-se diversos quilômetros ao norte de Saqqara e, como aquele sítio, serviu como um dos principais cemitérios para a elite da população que habitava a antiga capital, Mênfis. Diversas outras aldeias, tanto no norte quanto no sul do Egito, receberam o nome de Abusir ou Busiri. É um segmento relativamente pequeno do extenso "campo de pirâmides", que se estende do norte de Guizé ao sul de Saqqara; o local se destacou depois de se tornar foco de prestigiosos enterros da 5ª dinastia. Como um cemitério de elite, Guizé havia sido "preenchida" com giantescas pirâmides e outros monumentos da 4ª dinastia, o que havia levado os faraós da dinastia seguinte a ter de procurar outros sítios para seus monumentos funerários.

Abusir foi também o palco da maior descoberta de papiros do Antigo Reino já descoberta até hoje, os chamados «Papiros de Abusir». No fim do século XIX diversos museus do Ocidente adquiriram coleções de fragmentos de papiro dos registros administrativos de um dos cultos funerários da cidade, o do rei Neferirkare Kakai. Esta descoberta foi complementada no século XX, quando as escavações feitas por uma expedição Tcheca no sítio descobriram papiros de dois outros complexos cultuais, o do faraó Neferefre (também Raneferef) e da mãe do rei, Khentkaus II.

Existem diversas catacumbas próximas à antiga cidade de Busiris. Ao sul de Busiris, um grande cemitério parece ter se estendido por toda a planície. A Busiris heptanômica era, na realidade, um vilarejo situado numa das extremidades da grande necrópole de Mênfis.

Necrópole
Existe um total de 14 pirâmides no sítio, que serviram como a principal necrópole real durante a 5ª dinastia. A qualidade da construção das pirâmides de Abusir é inferior às da 4ª dinastia, o que talvez indique uma diminuição do poder real, ou uma economia menos vibrante; são menores que suas antecessoras, e construídas com pedra local, de menor qualidade.


– As três principais pirâmides pertencem aos faraós:
  1. Nyuserre Ini (a mais intacta delas),
  2. Neferirkare e
  3. Sahure.


O sítio também abriga a pirâmide incompleta de Neferefre. Todas as pirâmides de Abusir foram construídas como pirâmides em degrau, embora a maior delas – a pirâmide de Neferirkare – tenha sido originalmente construída como uma pirâmide em degrau de cerca de 70 metros de altura, e foi transformada posteriormente numa pirâmide "verdadeira" quando seus degraus foram preenchidos com pedras.

Fonte: Wikipédia

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Canal de Suez

No começo do século XIX, todos tinham o projeto em mente – ligar o Mar Vermelho ao Mediterrâneo.

Ao ocupar o Egito em 1798, Napoleão Bonaparte foi o primeiro a estudar a escavação de um canal. Como trabalhavam em condições difíceis, com material reduzido, seus engenheiros chegaram a uma conclusão equivocada: o Mar Vermelho, calcularam, é de 10 m mais alto que o Mediterrâneo; só um canal com represa o impediria de inundar o Egito. Mas o conquistador não teria tempo de levar a cabo o empreendimento.

Depois que Said paxá chegou ao poder, em 1854, Ferdinand de Lesseps embarcou para o Egito, onde 20 anos antes, tinha sido cônsul da França. O novo vice-rei considerava-o um amigo. Lesseps defendia a construção de um canal direto, sem represamento, porque naquele momento, já fora constatado que os dois mares (como todos os mares) estavam no mesmo nível.

A ideia seduziu Said, que o permitiria que começasse seu reinado com uma obra faraônica. Um curso de água de 160 km em pleno deserto. Assim dois homens decidiram sozinhos modificar o mapa do mundo.

Tecnicamente, disseram em Londres, o canal é inviável, por causa da dificuldade de navegação nas duas entradas cogitadas, pelo Mar Vermelho e pelo Mediterrâneo. Ainda que fosse construído, sua existência seria ameaçada pelos depósitos de areia, e quantias enormes teriam de ser destinadas a sua manutenção. Sem ser rentável, a obra não passaria de uma operação política contra a Inglaterra, para arrebatar-lhe o caminho das Índias e fazer do Egito uma colônia francesa.

Said paxá e Lesseps resolveram ignorar os obstáculos políticos, apesar do receio de Napoleão III, que temia a reação britânica. Criar um porto no Mediterrâneo, numa zona árida e varrida por ventos, requeria boa dose de audácia e determinação. A escavação do canal exigia mão-de-obra abundante. Recorreram a corvéia (praticada no Egito havia séculos – a mobilização forçada de milhares de camponeses, arrancados de suas terras para realizar trabalhos de interesse público). Adultos ou crianças, os operários do canal serão mais bem tratados que em outros canteiros de obras. Isso não impediria o início de uma acirrada polêmica que resultaria, em 1864, cinco anos após o início da obra, na supressão da corvéia. Tiveram então de trazer operários estrangeiros, recrutados em diversos países mediterrâneos, e utilizar máquinas especialmente concebidas para a circunstância.

A inauguração do canal, em 17 de novembro de 1869, na presença da imperatriz Eugênia e de mil convidados de vários países, foi um acontecimento mundial. A Grã-Bretanha seria a maior usuária dessa via, até se tornar a maior acionista da companhia ao comprar, em 1875, as ações do vice-rei do Egito. A mesma lógica, de controlar o caminho das Índias, levaria os ingleses a ocupar o Egito sete anos depois e lá permanecer por muito tempo. Os estatutos da companhia, proibiam a um acionista, por maior que fosse, ter maioria no conselho administrativo. Este ficaria sob controle francês. Após um começo difícil, o Canal conquistou um número crescente de clientes. Os pequenos acionistas ficaram satisfeitíssimos, além de aliviados. "Suez" símbolo do capitalismo triunfante, passou a ser um pilar do patrimônio familiar – possuir ações suas significava casar bem os filhos.

O canal era um empreendimento pacífico, destinado a estimular o desenvolvimento do comércio internacional. Durante as duas guerras mundiais, mostrou-se uma peça estratégica fundamental. E quando Nasser decidiu nacionalizar a companhia, em julho de 1956, para responder a afronta dos Estados Unidos, que n ão queriam mais financiar a barragem de Assuã, o Egito viu desembarcarem em seu território forças britânicas, francesas e israelenses.

Em duas outras ocasiões, durante os conflitos entre árabes e israelenses em 1967 e 1973, o istmo de Suez iria converter-se num campo de batalha e seu canal seria fechado à circulação. Uma profecia feita por Renan ao receber Lesseps na Academia Francesa:
Um só Bósforo bastou até hoje aos conflitos no mundo; o senhor criou um segundo, bem mais importante que o outro, já que, além de estabelecer a comunicação de duas partes de um mar interno, serve como acesso a todos os grandes mares do mundo... O senhor determinou o lugar das grandes batalhas do futuro.
Reaberto em junho de 1975, o canal voltou a ser uma via de navegação pacífica, na qual se avistam bandeiras de todos os países. Atravessado por um túnel e uma ponte, foi alargado e aprofundado 12 vezes no total, a fim de que pudesse comportar navios cada vez maiores, especialmente os superpetroleiros. Representa uma fonte de divisas essencial para o Egito. O futuro do canal dependerá de como evoluirão os meios de transporte e o consumo de energia ao longo do terceiro milênio.


Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Burro

Desde os tempos mais remotos, esse companheiro de olhos tristes presta serviços inestimáveis. Consegue arrastar-se sob o peso excessivo de uma carga. Ou então galopa sem esforço ao levar o menino que o monta sem sela. Na maioria das vezes, avança num passo tranquilo e regular, estóico operário à imagem da vida camponesa do Vale do Nilo.

Segundo uma estatística impossível de verificar, o Egito teria uma população de 6 milhões de burricos. Um para cada dez habitantes, o que seria provavelmente um recorde mundial. O burro do Delta é negro e robusto, já o do Alto Egito, branco ou grisalho, mais esguio, podendo atingir 1,20 m de altura.

Os coices muitas vezes se destinam ao enxame de moscas a atormentá-lo. E os zurros desesperados, aqueles inconfundíveis ih-ham, expressam menos tristeza ou revolta do que uma fome legítima após horas de trabalho ininterrupto. Um punhado de bersim (a alfafa local), e ele já está de volta a lida. Na época do cio, segundo dizem, os gemidos libidinosos podem estender-se por dez, até mesmo 15 km.

O burro selvagem já existia no Vale do Nilo desde o Paleolítico. Já o burro doméstico apareceu por volta de 3.600 aC. Raramente era montado. Servia para transportar os mais diversos produtos e realizar tarefas mais tarde transferidas para os camelos. Sua grande utilidade não impede que o considerem impuro, quando não mau, sobretudo se tiver o pelo ruivo. Por ser identificado com o deus Seth, o assassino de Osíris, não hesitam em sacrificá-lo para esconjurar o mal. Em certos hieróglifos da Baixa Época, esse animal infeliz só é representado com uma faca cravada no corpo.

Seu momento de glória é a viagem da Sagrada Família ao Egito. Diz a lenda que os descendentes do burro que teve o privilégio de levar Jesus possuem uma cruz no dorso.

Até a invenção da bicicleta e do automóvel, o burro constituía o principal meio de transporte dos egípcios. Não era só o "cavalo do pobre", como o apelidam no Ocidente: elegantes efêndis e volumosos figurões o montam de bom grado em selas decoradas.

Sempre presente nos contos e nos romances, o burro é o Rocinante de Goha, o Dom Quixote do florilégio egípcio. A vida real propicia-lhe às vezes a oportunidade de realizar feitos inesperados: em 1999, ao prender o casco numa fenda, um burrico acabou revelando a existência de uma necrópole greco-romana no oásis de Bahareya.

Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Sicômoro

De madeira duríssima e casca esbranquiçada, o sicômoro do Egito não se confunde com o da Europa. Dá frutos minúsculos, parecidos com figos, que contrastam com seu tamanho gigantesco. É chamado de "figueira do faraó" ou guemmeiz.

A deusa Nut amava essa essa árvore de galhos musculosos. No túmulo de Tutmés III, um sicômoro a simboliza dando o seio ao faraó defunto. Nenhuma outra árvore foi tão desenhada e pintada pelos artistas da Antiguidade. É verdade que crescia em todo lugar, até à beira do deserto. O nome nouhi costumava designar as novas árvores plantadas no Vale do Nilo:
  • a figueira era chamada de "sicômoro dos figos";
  • o balsameiro de "sicômoro de incenso".

Durante a fuga do Egito, a Sagrada Família teria parado sob um sicômoro, em Matareya, na periferia do Cairo. Com mais de 7 m de circunferência, "a árvore da Virgem" atraiu durante séculos peregrinos do mundo inteiro, que vinham comprar dos monges fragmentos de sua casca, gravar no tronco seu nome e pendurar ex-votos nos galhos. Em geral, atribuem aos sicômoros todo tipo de poder. Tradicionalmente amarram a ele diversos objetos (panos, amuletos, mechas de cabelos, etc) ou nele cravam pregos, para solicitar a intervenção de santos ou agradecer-lhes a graça concedida.

No século XIX, a Alameda de Chubra, na saída do Cairo, era conhecida pelos gigantescos sicômoros, que formavam um dossel. As pessoas mais belas da capital marcavam encontro ali ao cair da tarde.


Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

domingo, 8 de agosto de 2010

Pão

Tudo começa e às vezes termina, com o pão. É a base da alimentação. Na língua do dia a dia, pão não se diz khobz, como em outros países árabes, mas aich, que significa "viver". Ao encontrar um pedaço de aich no chão, quem passa o apanha espontaneamente e, fazendo às vezes o gesto de beijá-lo, pede perdão a Deus.

No tempo dos faraós, já era um alimento fundamental: fabricados com farinha de cevada ou de trigo, os pães tinham forma redonda, oval ou cônica. Entre pães e bolos, havia mais de 40 tipos diferentes na época do Novo Império. O padeiro era uma figura essencial na vida cotidiana.

No fim do século XIX, as famílias egípcias mais abastadas possuíam seu próprio forno doméstico. As mulheres iam de casa em casa sovar a massa e assá-la. O pão do mercado (aich el-suq) era desprezado, só prestava para o povo.



Tipos de pão:
  • pão baladi – produzido por umas 10 mil padarias, de cor morena, 20 cm de diâmetro e duas camadas sem miolo. Pode ser bem cozido (meladden), semicozido (mefaa) ou tenro (tari).
– pão rústico à base de milho ou de trigo:
  • chami (sírio) – mais fino
  • frangui (europeu) – como o fino (baguete)
  • aich el-chamsi (pão-do-sol) – especialidade do Alto Egito, sem fermento, povilhado de farelo, tem a particularidade de crescer ao sol
  • bettao (ancestral etimológico da "pita") – produzido no Médio Egito, feito de farinha de milho e feno grego, semelhante a uma grande panqueca, conserva-se por meses, e basta molhar para amaciá-lo.

O preço irrisório de um pão impede que alguém morra de fome no Egito. A possibilidade de faltar pão é a preocupação dos mais pobres. É inconcebível uma refeição sem esse alimento. Podem recheá-lo de fava ou lentilhas, ou até mesmo de arroz ou de massas. O pão serve de prato e também de colher. O gesto de partir um pedaço, dobrá-lo entre os dedos e passá-lo no próprio prato ou num prato coletivo tem um nome: ghammess faz parte dos prazeres da gastronomia egípcia.

Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

sábado, 7 de agosto de 2010

Retratos do Fayum

O ar sério ou espantado, o olhar intenso sobre o espectador... A imagem dos retratos do Fayum não nos abandona facilmente. As obras tem essa designação, "do Fayum" porque a maioria delas foi descoberta no fim do século XIX no imenso oásias situado a sudoeste do Cairo. Na verdade, as centenas de peças dispersas pelos museus do mundo provem de todo o Egito.


Os retrados de Fayum correspondem ao encontro de 3 culturas, e civilizações:
  1. egípcia
  2. grega e
  3. romana
Destinados às múmias, segundo a tradição funerária do Egito Antigo, foram pintados por artistas de formação grega, entre os séculos I e III, quando o país se tornou uma província romana.

Costumava-se pintar retrato do defunto no seu corpo mumificado, acima do rosto. Esse retrado podia ter dois suportes diferentes:
  • uma estreita placa de madeira, presa por duas tiras;
  • uma peça de linho, cujas extremidades eram costuradas.
Em certos casos, pintavam diretamente sobre o tecido que envolvia a múmia.

Os artistas usavam a encáustica, usando seus pigmentos à cera de abelha. Às recorriam à têmpera, usando materias solúveis em água, como a goma-arábica ou a resina. Entre os retratos encontrados até hoje (mais de 1 000) há verdadeiras obras-primas, feitas por anônimos.

Os antigos egípcios representavam as pessoas de perfil. Nesses retratos, os rostos estão de frente ou 3/4 de frente. Rostos jovens em sua maioria. Não se sabe se o artista remoçou e idealizou seus modelos ou se eles teriam morrido com a idade que aparentavam no retrato. De qualquer modo, há um desejo de realismo na representação, como sugere esta inscrição funerária encontrada no Egito:

Estrangeiro, olhe para este homem de muitas virtudes,
o sábio Euprépio, estimado pelos reis.
Sua filha erigiu esta estela e disse:
"Paguei aos mortos a dívida de minha educação."
Embora o pintor não tenha dado a voz à sua obra,
jurarias que ouves Euprépio,
quando os homens se aproximam de seu retrato,
são todos ouvidos como se escutassem dizer:
"Sou Euprépio..."





Com figuras de olhos grandes, fundo escuro ou pintado, e às vezes dourações, os retratos do Fayum lembram ícones bizantinos, ou melhor, antecipam-nos – são uma transição entre a arte pagã e a arte cristã.

Vemos hoje os retratos destacados das múmias. O fato de não mostrarem heróis e reis, mas desconhecidos em suas roupas do dia a dia, torna-os particularmente interessantes, o que sobressai é a humanidade desses homens e dessas mulheres.


Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Pássaros


Há 4 000 anos, no Antigo Império, pássaros pequenos e semi selvagens eram parte do cardápio dos egípcios. Eram caçados em bumerangues ou com redes, assim como patos, codornas e galinholas. Os baixo-relevos do Egito faraônico o comprovam: mostram pássaros multicoloridos, aninhados em acácias ou refugiados em moitas de papiro.

A fênix de plumagem acinzentada parecia surgir das águas ao amanhecer, ela era associada ao sol. Outros pássaros era identificados com o céu. Hórus assumia a forma de um falcão de asas abertas, planando sobre a Terra. A deusa Nekhbet encarnava-se no abutre, e o deus Thot, no íbis branco.

Os naturalistas que acompanharam Napoleão Bonaparte não encontraram todas as espécies existentes na Antiguidade, mas não lhes faltaram pássaros para estudar e desenhar, deixando fabulosas pranchas em cores com a águia de Tebas e a coruja.

Os antigos egípcios levavam os pássaros a sério, atribuindo a esses animais imprevisíveis um papel determinante na fundação das duas principais cidades do país.

Segundo Plutarco, em 331 aC, Alexandre mandou desenhar no chão – com farinha, por não dispor de giz – o plano da cidade que levaria seu nome. A futura capital do Egito teria a forma de um manto macedônio.

Alexandre achou bonito o desenho e ficou muito satisfeito, mas de repente uma multidão de pássaros de todas as espécies surgiu do lago e do rio, e eram tantos que obscureceram o céu como uma imensa nuvem carregada, antes de pousar ali e comer toda a farinha.

O macedônio ficou receoso. E os adivinhos logo o tranquilizaram, assegurando tratar-se de um sinal de prosperidade. Ele ordenou então o início das obras.

Seis séculos mais tarde, os árabes conquistaram o Egito. O general Amr acampava nos arredores da antiga Mênfis, enquanto esperava o momento de marchar sobre Alexandria. Chegada a hora de levantar acampamento, diz a lenda, o general viu que duas pombas tinham feito um ninho sobre sua tenda, e ordenou que a deixassem ali até sua volta. A tenda (fostat) tornou-se o ponto de partida para a construção de uma nova capital com esse nome.

Ao conquistarem o Egito em 969, os fatímidias, vindos do norte da África, decidiram fundar outra cidade, a noroeste de Fostat. Tábuas de madeira, ligadas por cordas às quais tinham prendido sinetas, foram dispostas para demarcar os limites. A ocasião propícia para iniciar as obras seria indicada pelos astrólogos, que observavam a evolução do planeta Marte. Mas enquanto os sábios discutiam, pássaros teriam encostado nas cordas fazendo soar as sinetas. Os operários logo se puseram a trabalhar, embora Marte, apelidado em árabe de El-Qahira (o guerreiro, o conquistador), estivesse no seu zênite. Decidiram então que a nova capital não mais se chamaria El-Mansureya, como previsto, mas El-Qahira, que os europeus traduziram como Cairo.

O céu do Egito ainda é cortado por íbis de plumagem castanho-avermelhada com reflexos dourados, gaviões negros, andorinhas de peito vermelho e rouxinóis. Sem falar na pequena garça-real branca. O corvo marrom é frequentador assíduo dos sítios arqueológicos. O pelicano branco aparece no outono e na primavera, bem ao sul, nas proximidades de Abu Simbel.


Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé; as fotos: Birdmania

Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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