sábado, 17 de julho de 2010

A mudança no conceito de soberania

Médio Império


Esse período é significativamente diferente dos precedentes, quando o rei imponente e endeusado era a manifestação do deus falcão Hórus e filho de Rá.

No final da 6ª dinastia o poder do Estado instalado em Mênfis sofreu um declínio, com o estado centralizado fragmentando-se aparentemente em unidades menores. Essa descentralização política também liberou a arte provinciana, até então desprezada – especialmente a das áreas do interior do Alto Egito – do domínio dos modelos obedecidos em Mênfis. As mudanças drásticas, fugindo da tradição que prevalecia durante os 160 anos que ocorreram entre o fim da 6ª e da 11ª dinastia, são evidentes na decoração mural e nas estelas pintadas das tumbas particulares encontradas no Médio e no Alto Egito, como as de Naga al-Deir, as de Tebas e as de Mo'alla. Suas figuras alongadas, afetadas e desproporcionais, que geralmente parecem flutuar no espaço em decorrência da ausência de linhas que representem o chão, foram claramente libertadas do antigo e rígido cânone de proporções.

Essa fase do desabrochar do provincialismo foi logo substituída, no Alto Egito, pela nova ordem artística e política dos governadores tebanos, em meados da 11ª dinastia, especialmente a do rei mais poderoso da época, Mentuhotep Nebhepetre. Apesar das tentativas, por parte dos artistas tebanos, de recriar o estilo de Mênfis, suas obras são infundidas pelos motivos e pelos elementos oriundos do Alto Egito. Essa mistura de estilos é bem documentada em objetos encontrados na primeira parte do reinado de Montuhotep. Os sarcófagos de pedra calcária da princesa Kawit e da rainha Ashayt, encontrados no templo do rei em Deir el-Bahri, com decoração em relevo retrata a maestria dos artistas, que pareciam bem treinados no entalhe da madeira. Os novos temas não dependem dos protótipos de Mênfis, como no Antigo Império e elevam os até então motivos menores, como os servos enfeitando a rainha ou os operários tirando leite das vacas.

Depois de uma longa batalha, Mentuhotep venceu os governantes de Heracleópolis, em meados de seu reinado. Uma capela do rei em Dendera pode ser vista como um monumento a sua vitória. A decoração e as inscrições dão a ideia de que ela foi construída no santuário da deusa Hathor para comemorar a vitória do rei e a reunificação do país. Relevos nas paredes da capela retratam a glória militar do faraó, os aspectos divinos do soberano, de estilo recém estabelecido do Alto Egito.

O mais significativo monumento arquitetônico da época é o templo de Mentuhotep em Deir al-Bahri, Tebas, que foi dedicado a Montu, ao rei e depois a Amon-Rá. Sua estrutura exibe um terraço e corredores abertos com pilares cercando a parte central do templo, parece ter sido originada nas ideias arquitetônicas do Alto Egito. Uma figura em tamanho natural do rei sentado, esculpida em arenito pintado, foi enterrada em sua própria tumba, a 70 m abaixo do templo. O corpo poderoso, a face redonda e os olhos grandes demostram o despertar das potentes forças rurais da província de Tebas, que até aqui permaneciam dormentes.

A geração seguinte a Mentuhotep Nebhepetre desenvolveu um novo estilo, influenciado por Mênfis. O colorido mundo pictórico retratado nas paredes das mastabas do Antigo Império quase desapareceu com o final da 6ª dinastia. A partir desse período, as cenas da vida cotidiana eram escondidas sob a terra, aparecendo nas pinturas murais das câmaras funerárias e no formato de miniaturas em madeira que retratam ferramentas, armas e barcos, assim como figuras de animais e humanos em várias ocupações. Esses modelos eram confeccionados para servir de provisões para o lar do falecido na outra vida.

A autonomia e o domínio de Tebas chegaram ao fim quando, por motivos desconhecidos, Amenemhet I transferiu sua residência da capital do Antigo Império, Mênfis, e fundou seu novo lar em Iti-tawi, a moderna Licht. Depois do reinado aparentemente atribulado de Amenemhet, seu filho Senusret I conseguiu restabelecer o antigo esplendor do Egito. Esse fato foi destacado pela construção de uma grande pirâmide em Licht, mas também por uma intensa atividade de construção em todos os santuários importantes do país.

A tendência da 12ª dinastia foi em olhar para trás e voltar ao arcaico. Dez figuras de Senusret I sentado, em tamanho descomunal, encontrado em seu complexo de pirâmides em Licht, são de pedra calcária branca, sem pintura, nunca foram colocadas no templo. A expressão rígida e impassível de sua face, com seu sorriso congelado, une essas figuras com a escultura do final do Antigo Império. Senusret I também construiu santuários em Karnak, associados ao festival de renovação real, o heb-sed. O mais espetacular é a Capela Branca (foto). As obras dessa época irradiam a aura de um mundo seguro, harmonioso e jovial, governado pela ideia de um maat duradouro e perfeito. Essa visão tornou-se nublada no período seguinte, a terceira e última fase dessa dinastia, dominado por dois governantes de destaque:
  1. Senusret III e
  2. Amenemhet III
Seus reinados, cuja riqueza é absolutamente evidente, foram marcados por profundos distúrbios políticos religiosos e artísticos.

A região de Tebas era o local de várias estátuas monumentais de Senusret III em granito. Um aspecto importante da soberania é representado por um monumental portão de pedra calcária de Senusret III.

Várias estátuas de Amenemhet III, filho de Senusret III, estão preservadas, encontradas nas escavações nas ruínas do templo de Tânis. Enquanto normalmente a cabeça da esfínge é inteiramente humana, aqui a face do rei é emoldurada por uma imensa juba de leão.

A estatuária real do final da 12ª dinastia e do início da 13ª não representa indivíduos envelhecidos, mas sim a antiga instituição da soberania.

O extraordinário número de governantes da 13 ª dinastia (aproximadamente 70) que surgiu nas listagens subsequentes dos reis ainda não foi totalmente explicado. O Estado central na região de Mênfis parece ter mantido o controle durante os próximos 130 anos. O número e a importância dos monumentos reais e particulares e da estatuária diminuíram consideravelmente, apesar da alta qualidade de algumas esculturas.

A transferência de grande parte do poder governamental do rei para o vizir, durante a 13ª dinastia, é refletida em um declínio da escultura real em favor da estatuária dos altos oficiais. As duas estátuas colossais de Semenkhare Mermeshau sentado, feitas de granito são caracterizadas pelo olhar intenso e sinistro, pela estrutura geométrica da superfície das pernas e do corpo e pela cintura surpreendentemente fina.

Por volta de 1650 aC, o declínio gradual da 13ª dinastia facilitou uma infiltração de estrangeiros do Delta, mais tarde conhecida como a invasão dos hicsos, que assumiram o poder, dando fim a 13ª dinastia. Iniciando assim um novo capítulo da história do Egito – o Segundo Período Intermediário.


Fonte: 'Tesouros do Egito' do Museu Egípcio do Cairo

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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