domingo, 13 de dezembro de 2009

O esplendor da arte no Antigo Império

O Antigo Império, particularmente da 4ª a 6ª dinastias, representa o ponto culminante da cultura egípcia antiga. Onde nasceram seu estilo particular e os cânones de sua arte e de sua arquitetura.

Era como se a 4ª dinastia fosse um plano-mestre ou um programa iniciado para definir formatos, proporções e ordens específicas da arte e da arquitetura.

Cada elemento da prática oficial e funerária possuía seu próprio modelo, com sua organização sistemática dos elementos relevantes, programados para cumprir uma série de funções específicas. Cada elemento era também ligado inseparavelmente a outros e fazia parte de um programa basicamente unificado. O objetivo geral era confirmar a natureza perfeita do império de cada rei e enfatizar sua relação especial com o mundo divino. Esse sistema canônico durou até o fim da história do Egito.

Nosso conhecimento sobre o Antigo Império vem principalmente dos monumentos e dos objetos encontrados nos cemitérios desertos de Gizé, de Abu Roash, de Zawiyet el-Aryan, de Abusir, de Saqara, de Dahchur e de Meidum – todos localizados nas vizinhanças da antiga capital Mênfis.

As primeiras pirâmides verdadeiras apareceram no começo da 4ª dinastia, desenvolvidas a partir das pirâmides em degraus da 3ª dinastia. Desde as pirâmides experimentais de Esnofru, o primeiro governante da 4ª dinastia, elas se desenvolveram rapidamente, partindo em uma única geração para os enormes monumentos de pedra do mundo antigo.

Esnofru construiu 4 pirâmides:
  • 2 perto da entrada de Fayum, em Meidum e em Seila;
  • 2 em Dahchur – a Pirâmide Encurvada e a Pirâmide Norte.
A de Meidum parece ter sido iniciada como uma pirâmide em degraus, mas foi concluída como uma pirâmide verdadeira, depois do 15º ano do governo de Esnofru. As de Dahchur, construídas mais tarde durante seu império, demonstram como as habilidades em engenharia e os trabalhos com pedras estavam se desenvolvendo rapidamente. Elas faziam parte de um complexo de edifícios. Um complexo de pirâmides típico contém cerca de 14 componentes arquitetônicos, cada qual com sua função e sua localização específica. A pirâmide Meidum é o primeiro exemplar desse tipo de complexo funerário, que continua por todo o Antigo Império com poucas mudanças.

O grupo de pirâmides erguidas em Gizé pelos descendentes de Esnofru segue o mesmo prograna arquitetônico. A pirâmide localizada no alto do deserto e com vista para o vale, continha o túmulo do rei e era o ponto focal do culto executado nos templos superior e inferior, unidos por um passadiço. Nesses templos estavam todos os salões, as salas e os corredores necessários para a execução dos rituais, para o espírito do rei e para os deuses. Aí se encontra algumas das melhores esculturas produzidas no Egito.

A principal indicação do controle do soberano sobre a vasta riqueza agrícola e mineral do país, unificado sob um poderoso serviço civil que revolvia ao redor da família imediata do rei, é o impressionante volume de pedra que foi movimentado, especialmente durante os 3 primeiros reinados. Desde a época de Esnofru, a construção de pirâmides tornou-se o projeto nacional. A enorme força de trabalho exigida deve ter sido extraída de povoados do país todo e organizada em equipes, provavelmente baseadas no distrito de onde os operários provinham. É provável que as casas e os alimentos fornecidos a eles fossem administrados pelo mesmo sistema de equipes. O sucesso desses projetos de construção descomunais indica que a organização social necessária e as habilidades administrativas já existiam. Foi encontrado, ao sul da Grande Esfinge, um cemitério pequeno abarrotado de tumbas de tijolos e pedras, de vários tamanhos e formatos: mastabas pequenas e retangulares, com o teto plano, "colméias" cônicas, corredores abobadados e todos os tipos de variações, geralmente construídas com blocos de granito e basalto. Cemitérios dos operários e dos trabalhadores ligados à pirâmide. Acima destas havia tumbas maiores, parcialmente entalhadas e destacadas da rocha. Tumbas dos artesãos e dos supervisores.

Os reis da 5ª e 6ª dinastias construíram suas tumbas em Saqara e em Abusir. O último rei da 5ª dinastia, Unas cobriu as paredes das câmaras internas de sua pirâmide com colunas verticais de hieróglifos. Textos da Pirâmide: uma série de feitiços e de locuções mágicas baseadas em crenças religiosas no sol e em Osíris. A mágica da palavra escrita era tão poderosa que somente sua presença já transformava o pensamento expresso em uma realidade futura. Os templos do lado de fora das pirâmides eram ricamente ornados com murais em relevo e adornados com estátuas de reis e de deuses. Em Absur, encontrou-se pirâmides e templos com uma área estimada em 10 000 m2 de relevos murais decorados.

Todos os projetos artísticos do Antigo Império se desenvolveram dentro do contexto do conceito egípcio de soberania e de religião. O corpo humano era celebrado como uma imagem do espírito que vivia dentro dele. O apelo eterno e especial da arte egípcia foi adquirido com uma combinação de proporções agradáveis e soberba maestria artística. Nas pinturas e nos relevos o corpo humano era desenhado com a cabeça de perfil, os ombros e o peito de frente e a parte inferior do dorso e as pernas também de perfil. As figuras mais importantes são sempre representadas bem maior. Havia diferenças sutis nas imagens do homem e da mulher, representando suas distintas funções na sociedade antiga. Os homens são representados com um dos pés à frente, em contraste com as mulheres, que têm um dos pés ligeiramente avançado ou os dois bem juntos. Essa distinção entre a vida masculina, ativa e orientada para frente, e a existência feminina, mais tranquila e voltada para o lar, é mantida pela convenção de se retratar a mulher com uma tonalidade amarela pálida, contrastando com o marrom dos homens. A mais famosa estátua real desse período é a de Quéfren em diorito, originária de seu templo de granito do Vale de Gizé. Ela é a incorporação da soberania divina. O rei sentado no trono, projeta elegância e majestade em uma escala monumental, nunca vista antes. Os detalhes anatômicos do corpo enfatizam a impressão de força humana e de estabilidade, enquanto o falcão divino está suspenso sobre sua cabeça como se fosse voar com o rei para o império dos deuses. Esta estátua também representa a tríade de Osíris, Ísis e Hórus que é o falcão, o trono é o sinal hieroglífico da deusa Ísis e o rei representa Osíris, o monarca do mundo subterrâneo.

Estima-se que o complexo da pirâmide de Quéfren em Gizé contivesse inicialmente 58 estátuas. Apenas algumas sobreviveram e estavam danificadas. As posições designadas para 4 esfinges colossais, cada uma com mais de 8 m de comprimento, ladeiam as entradas do vale do templo. Dentro das passagens de entrada existem nichos altos que antes continham estátuas colossais, possivelmente de babuínos. Dentro do vale do templo havia as posições designadas para 23 estátuas do rei, quase em tamanho natural; fragmentos de diversas delas foram encontrados. No templo funerário, existiam pelo menos 7 grandes estátuas do rei nas câmaras internas e 12 outras, mais colossais, ao redor do pátio aberto. No Templo da Esfinge, próximo ao vale, estavam mais 10 enormes estátuas de Quéfren. Nenhum outro templo do Antigo Império apresentou evidências de tantas estátuas em tal escala.

Ainda assim, a maior estátua desse império é a Grande Esfinge. Esculpida no afloramento de uma rocha deixada na mina da qual eram extraídas as pedras para a construção de pirâmides e templos, a Esfinge localiza-se em um desfiladeiro artificial aos pés das montanhas do deserto, próximo ao passadiço e ao vale dos templos do complexo da pirâmide de Quéfren. Sua face entalhada à semelhança deste rei, antes possuía uma barba longa e "falsa", como as que usavam os deuses ou os reis deificados. Fragmentos dela foram encontrados e há dúvidas sobre o fato de ela fazer parte do desenho original ou ter sido adicionada depois, já no Novo Império. O nariz parece ter sido deliberadamente cinzelado no século XIV, talvez como reação a uma onda de desastres que atingia o país naquela época – praga, fome e guerras – pela qual as imagens pagãs foram responsabilizadas. A esfinge também sofreu nos tempos modernos: sua superfície está se quebrando em pequenas partículas e algumas das antigas pedras que a decoram já caíram, e uma enorme parte do ombro.

Miquerinos, sucessor de Quéfren, também adornou seu complexo de pirâmides com estátuas. Foram encontradas diversas esculturas intactas e muitos fragmentos, peças de uma estátua de alabastro de tamanho descomunal, que antes se localizava no eixo central do templo funerário. O rei é sempre retratado usando a Coroa Branca do Alto Egito e as deidades dos nomos são oriundas das províncias da mesma região. A filha e a esposa de Rá, Hathor, é retratada com as características da rainha, esposa do rei vivo e mãe de seu sucessor.

Duas estátuas em cobre batido, do reinado de Pepi I da 6ª dinastia, uma delas foi feita em tamanho natural e a outra é um pouco menor; ambas retratam o rei. Apesar dos registros mostrarem que as estátuas de cobre eram feitas já na 2ª dinastia estas são os únicos exemplares do Antigo Império que não foram perdidas.

O uso da escultura em relevo na decoração mural do templo surgiu no Antigo Império. Na época de Esnofru, os relevos eram encontrados apenas no vale dos templos. No reinado de Quéops, eles já aparecem em todo o complexo das pirâmides, na 5ª e 6ª dinastias, o programa já havia se desenvolvido completamente. O tema dos relevos pode ser dividido em várias categorias:
  1. dominam as cenas em que o rei é visto subjugando os elementos desordenados do universo: animais selvagens ou estrangeiros
  2. o rei é identificado com deidades e retratado com Hórus, o deus falcão
  3. sempre mostrado na companhia de deuses e deusas, uma das principais obrigação é lhes apresentar oferendas
  4. cenas do rei comemorando o Jubileu (festival sed)
  5. cenas das deidades que confirmam o poder e a autoridade do rei, culminando na cena de sua própria deificação.

Quando uma série de cenas tornava-se parte do repertório, ela era repetida nos templos posteriores, nem sempre na mesma ordem ou programa completo, mas era sempre eficaz.

Já que as moradias eram construídas com tijolos de barro, a única arquitetura sobrevivente, que não pertencia à realeza, é das tumbas particulares. Elas apresentam um padrão menos uniforme e consistente do que os complexos de pirâmides reais e também mostram maior desenvolvimento no curso do Antigo Império. Em Gizé, as tumbas particulares formam uma verdadeira cidade dos mortos, depostas em um plano regular de ruas e avenidas. A maioria das estátuas particulares era feita de pedra calcária e de madeira, mais fáceis de serem trabalhadas. As estátuas individuais eram:
  • quase sempre de homens, são geralmente esculpidas com o retratado em pé. Em geral, estão segurando um bastão ou outra indicação de seu posto. Magros, musculosos, não havia inibição em mostrar os burocratas mais velhos envergados sob o peso da meia idade.
  • as figuras femininas raramente são magras e jovens. Até a gravidez é demonstrada como uma protuberância discreta do ventre.
  • nas estátuas duplas, de marido e esposa, a mulher geralmente é mais magra e mais baixa que o homem.
  • as crianças são quase sempre retratadas nuas.
  • há também as estátuas dos servos, pequenas figuras mostram homens e mulheres envolvidos em tarefas cotidianas.

O colapso do estado de Mênfis, no final da 6ª dinastia, introduziu um século de fome e desordens. Talvez tenha sido o longo reinado de Pepi II, que fontes antigas declaram ter durado mais de 90 anos, que enfraqueceu o poder do Estado central. Ou talvez as enchentes destrutivas do Nilo, acompanhadas por grandes secas, que trouxeram a fome. Provavelmente foi durante essa época que as tumbas e as pirâmides foram invadidas e depredadas. Apenas quando o país foi reunificado e governado por uma nova linhagem de governantes, provenientes do sul de Tebas, na 11ª dinastia é que a prosperidade pôde ser restaurada.

– Tipos de Mastabas:



Origem: 'Tesouros do Egito' do Museu Egípcio do Cairo

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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