quinta-feira, 9 de julho de 2009

A História de Sinué

Não é de se admirar que o período de Sesóstris (Senusert) tenha sido considerado, como aquele em que a língua egípcia atinge a sua idade "clássica". Quando se inicia nos hieróglifos, se começa a leitura pelos textos do Médio Império como o Conto do Náufrago ou o Romance de Sinué.

O Romance de Sinué – trata-se de uma história completa, reconstituída graças a diversos papiros e ostracas. A narrativa é feita na primeira pessoa. Sinué que significa "filho do sicômoro", conta a sua vida.


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Nascido num meio modesto e educado na corte de Lischt, era servo do harém da rainha Snefru, esposa de Sesóstris I, ano 10 de seu reinado, partilhando o reinado com seu pai, Amenemhat I. Sesóstris I conduz uma operação militar no território líbio. Sinué que fez a viagem, vai se ver envolvido numa complicada situação que decidirá o seu destino.

No sétimo dia do terceiro mês da estação das inundações, no ano 30, o rei Amenemhat I subiu ao seu horizonte, unindo-se ao disco solar. Sesóstris recebe a notícia e parte imediatamente para regressar a capital. Sinué surpreende, em uma noite, a conversa secreta que parece revelar um complô contra o rei; foge, dominado por um grande pânico. "O meu coração perturbou-se", confessa, "os meus braços soltaram-se do meu corpo, pois todos os meus membros tremiam. Afastei-me de um salto, em busca de um esconderijo".

Sinué parte para sudeste, passa o extremo meridional do Delta, atravessa o Nilo e alcança "as muralhas do príncipe". Uma célebre fortaleza construída pelo Faraó Amenemhat I na fronteira nordeste do Egito para proteger o país contra eventuais investidas asiáticas no Delta. Caminha durante a noite, mas vai perdendo as forças. "Tive um ataque de sede, de modo que sufocava e tinha a garganta seca. Disse para comigo: ' É o sabor da morte ' ." Ouve mugir um rebanho. Beduínos aproximam-se, um xeque que havia estado no Egito reconhece Sinué e dá-lhe água e leite, levando-o para sua tenda.

Prossegue a vida de eremita, anda de terra em terra. Percorre a Síria-Palestina e chega a Qedem ao sul de Biblos e passa lá um ano e meio. É então levado pelo príncipe do Retenu superior, um principado palestino, e casa com a filha mais velha do príncipe, recebendo terras magníficas: "Produziam figos e uvas; o vinho era mais abundante do que a água; tinha muito mel e azeite em quantidade; as suas árvores davam frutos de todas as espécies. Também havia cevada e trigo, e o gado de todos os gêneros era enorme." Sinué passa alguns anos nesse paraíso. "Os meus filhos tinham-se tornado fortes, e cada um deles dominava a sua tribo." Sinué era general dos beduínos, alcança numerosas vitórias e a sua fama aumenta na região.

Um "valentão de Retenu", uma espécie de gigante que ninguém ainda conseguiu vencer, provoca o egípcio. "Dizia que lutaria comigo: pensava que me roubaria e propunha-se furtar o meu gado." Sinué não conhece o homem e não entende seu ódio. Mas prepara-se para o combate. Vence o adversário com uma seta lançada em seu pescoço, o gigante cai de bruços, abate-o com seu próprio machado e brada a vitória.

Mas Sinué não é feliz "Ó deus, sejas tu quem fores que predestinaste esta fuga, sê clemente e devolve-me à corte." Os antigos egípcios, quando no estrangeiro, desejavam voltar ao Egito, a idéia de não poderem ser enterrados em sua terra era insuportável. As suas preces foram atendidas e o faraó envia uma carta ao egípcio exilado: "Regressa ao Egito, para que voltes a ver a corte em que cresceste, para que beijes a terra da dupla grande porta e te reúnas com os amigos" escreve Sesóstris I.

Sinué distribui os seus bens pelos filhos. Quando chega ao palácio do faraó em Lischt e depara com Sesóstris fica tão emocionado que perde os sentidos. O rei se mostra amigável e benévolo chegando a dizer à rainha: "Olha como Sinué parece um asiático, um verdadeiro filho de beduínos!". Sinué é de novo introduzido no círculo dos nobres, dos próximos ao monarca. É instalado numa casa principesca. Tem cerca de 60 anos e passou pelos menos 25 no estrangeiro. Operários são encarregados de restaurar uma casa no campo que havia pertencido a um nobre. E é lá que Sinué terminará os seus dias, num túmulo preparado com muito esmero. "Eu fui contemplado pelos favores reais até o dia da minha morte".
_______FIM________


Assim nos é apresentado este belo texto que evoca maravilhosamente o tempo de Sesóstris e a requintada civilização dos faraós do Médio Império. O mundo sírio-palestino é descrito com certa precisão e sem preconceitos, em grande contraste com o Egito e a sua corte real, onde se afirmam os valores espirituais e culturais. Elegância da língua em que o texto é redigido, encanto da aventura, profundidade dos pensamentos e dos símbolos: O Romance de Sinué merece ser considerado uma obra-prima.

do livro' O Egito dos Grandes Faraós' de Christian Jacq

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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