terça-feira, 16 de junho de 2009

O interesse pelo Egito faraônico

Os gregos e a mitificação do Nilo
O Egito sempre chamou a atenção de diferentes povos por sua paisagem singular, sua fauna e flora surpreendentes e por seus impressionantes monumentos. Apesar dos contatos do Egito com o Mediterrâneo Oriental serem milenar, foram os gregos que iniciaram o processo de mitificação do Egito. Por volta de 450 a.C , o historiador grego Heródoto se dirigiu ao Delta do Rio Nilo para recolher material que utilizaria em seu livro de Histórias, em que procurava explicar a luta de gregos e persas remontando aos costumes e tradições dos povos orientais, com destaque para o Egito. Os gregos se surpreenderam com o regime das cheias do Nilo, com o sistema de escrita, que acreditaram ocultar verdades sagradas – por isso o nome hieróglifos, do grego hiero "sagrado" e glifos "escrita" – e com seus ritos funerários, que contribuíram para despertar assombro e admiração. Heródoto ficou impressionado com a cheia do Nilo e com sua importância para a agricultura egípcia. Em seu texto mais conhecido sobre o Nilo escreveu o seguinte:
"Em todo o mundo, ninguém obtém os frutos da terra com tão pouco trabalho. Não se cansam a sulcar a terra com arado ou a enxada, nem têm nenhum dos trabalhos que todos os homens têm para garantir as colheitas. O rio sobe, irriga os campos e, depois de os ter irrigado, torna a baixar. Então, cada um semeia o seu campo e nele introduz os porcos para que as sementes penetrem na terra; depois, só tem de aguardar o período da colheita. Os porcos também lhe servem para debulhar o trigo, que é depois transportado para o celeiro". Heródoto, 2,14.

Outro autor grego, Diodoro, por seu lado, declara que o Nilo supera todos os rios do mundo pelos benefícios que trazia ao Egito:
"A maior parte deles lança apenas a semente, leva os rebanhos para os campos e eles enterram as sementes: quatro ou cinco meses depois, o camponês regressa e faz a colheita. Alguns camponeses servem-se de arados leves, que removem apenas a superfície do solo umedecido e depois colhem grandes quantidades de cereal sem grande despesa ou esforço. De uma forma geral, entre os outros povos, todo o tipo de trabalho agrícola comporta grandes despesas e canseiras; entre os egípcios é que a colheita se faz com poucos meios e pouco trabalho". Diodoro Sículo, 1,36.

O fato de Diodoro e Heródoto se impressionarem com o imenso rio, não era estranho, já que a Grécia era uma terra essencialmente árida e seca, onde a prática da agricultura consistia em esforço digno de Titãs. O que os gregos, nem os egípcios, sabiam era que a cheia ocorria em função de chuvas na África tropical e do degelo nas terras altas etíopes.
  • A cheia ocorria em junho em Assuã e, como não eram detidas as águas por barragens ou diques, dirigiam-se para o norte, atingindo Mênfis, cerca de 3 semanas depois.
  • Antes disso, cobria terras aráveis por meio de um processo de infiltração.
  • De agosto a setembro, todo o Vale do Nilo encontrava-se inundado e,
  • Em outubro, o nível das águas baixava, deixando o solo úmido e coberto de uma lama cheia de detritos orgânicos e de sais minerais.
Durante todo esse processo de inundação, o trabalho do camponês era fundamental e diante do espetáculo causado pelas cheias, escapou, ao olhar de Heródoto, as dificuldades e a lida do camponês na limpeza dos canais, na semeadura e na colheita, durante os trabalhos agrícolas.

Assim, a imagem mítica do Egito, entre os gregos, deveu-se à admiração pela cheia do Nilo e ao extraordinário poder gerador de vida que resultava da fertilização, considerada quase mágica, do solo às margens do rio Nilo. Desde o início, o interesse pelo Egito revestia-se de um caráter misterioso, derivado da imensa fecundidade da natureza egípcia e que obscurecia a importância do trabalho humano na valorização dos benefícios das cheias.

A expedição napoleônica, a egiptomania e a egiptologia
A expedição napoleônica ao Egito marca a passagem do conhecimento indireto do Egito para a informação direta, marcando a chamada pré-egiptologia (Heródoto, Diodoro da Sicília, Estrabão, Manetôn). O Egito era para França e para a Europa uma terra desconhecida. Sobre ela havia notícias sobre botânica, geologia e arquitetura, a expedição tinha como objetivo fazer uma descrição científica do vale do Nilo. A nau capitã, chamada O Oriente, levava uma pequena biblioteca e alguns estudiosos do tema. A fundação do Instituto Nacional do Egito, em agosto de 1798, é uma das marcas da expedição do imperador francês Napoleão Bonaparte ao Egito. A piblicação, em 1812, da Description de l'Egypte, resultado das pesquisas feitas pelos franceses, obra com:
  • 12 volumes
  • 4000 páginas
  • 3000 ilustrações,
resultou em um desenfreado colecionismo. A obra aborda temas de astronomia, agricultura, instrumentos musicais, geografia, clima, flora, fauna, artes, ofícios, usos e costumes. As peças egípcias, que antes eram reunidas pela simples curiosidade ao estranho e ao exótico, passam a ter interesse cultural.

A criação se seções egípcias em museus da Itália, França, Alemanha, Áustria, Inglaterra, Suécia, Rússia e nos EUA é um dos reflexos da publicação da Description l'Egypte. Aliada à criação das seções egípcias, assistimos à produção acadêmica, à formulação de catálogos e ao aumento de bibliotecas especializadas. As viagens ao Egito e a divulgação de imagens, litografias, relatos de usos e costumes leva a uma vasta reutilização de motivos do Antigo Egito para a criação de objetos e narrativas contemporâneos. Egiptomania, revificação egípcia, estilo do Nilo, faraonismo, passam a expressar o mesmo fenômeno. As primeiras universidades que instituem os cursos de egiptologia, na estrutura curricular foram:
  1. Sorbone em Paris,
  2. Universidade de Berlim na Alemanha,
  3. Oxford e Londres na Inglaterra e
  4. Universidade de Pisa na Itália
Nos últimos 200 anos, a egiptologia tornou-se uma disciplina científica que é estudada em todos os continentes, com dezenas de universidades envolvidas e com pesquisas a partir de abordagens mais variadas, em diversos contextos. Na América Latina, destacam-se pesquisas do Uruguai, Argentina, com trabalhos arqueológicos de campo no Egito, e do Brasil.


egiptofilia – o gosto pelo exotismo e posse de coisas relativas ao Egito antigo

egiptomania – reinterpretação e re-uso de traços da cultura do antigo Egito de uma forma que lhe atribua novos significados

egiptologia – ciência que trata de tudo do Egito antigo. A busca e o culto pelos vestígios originais, daquela época, caracterizam a egiptologia. Conjuga ciência e imaginação, ao formar a sua substância e partir dos dados acadêmicos, do saber popular, transmitido por viajantes e escritores, e do repertório de crenças e mitos universais.



Origem: livro 'Imagens do Egito Antigo' um estudo de representações históricas de Raquel dos Santos Funari e fotos: imagens Google.

Um comentário:

  1. Considerando as descrições de estrabão e de herodoto, como se explica o olhar grego diante dos monumentos e do modo de vida do homem egipicio?

    Um abraço!!!

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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