domingo, 24 de maio de 2009

Akhenaton o deus do sol

Tão enigmático quanto o rosto de Akhenaton – o faraó que deu as costas aos velhos deuses do Egito – foi o destino de sua mulher Nefertiti, e de seu herdeiro Tutâncamon. Hoje em Amarna, sua capital abandonada, restam polêmicos vestígios deixados por aqueles que há mais de 3300 anos, tentaram apagar um legado herético.

Certo dia do ano de 1353 a.C , um jovem faraó do Egito levantou-se antes do alvorecer para saudar o sol com um poema: "No horizonte celeste surgis esplêndido" , disse ele quando a luz do dia começou a inundar Tebas, a capital egípcia.


Para o faraó, os raios do sol eram a manifestação física de Aton, um deus que ele venerava com ardor. "Ó Aton vivo, princípio da vida (...) Ó deus único, sem par! (...) Criais a Terra conforme vosso desejo (...) Estais em meu coração, e ninguém além do vosso filho vos conhece".

Aquela não era uma manhã comum para o rei nem para o antigo Egito. O faraó Amenófis III morrera e seu filho adolescente conquistara agora  poder de elevar Aton acima de todos os outros deuses do panteão egípcio – até mesmo acima de Amon, que por centenas de anos prevalecera em Tebas como deus soberano. Pouco tempo depois esse enigmático jovem mudaria seu nome para Akhenaton, "o que bem serve a Aton". Ao lado de sua rainha, a célebre Nefertiti, ele lançaria o Egito em uma revolução religiosa que demoliria muitos séculos de tradição. Nefertiti seria elevada à condição divina, com poder e influência inigualáveis. E o faraó também abandonaria Tebas para construir uma nova capital, Akhetaton, hoje conhecida como Amarna. Akhenaton, Nefertiti e o faraó menino Tutancâmon, talvez filho de Akhenaton com uma esposa menos importante, foram chamados de "faraós do sol". O reinado deles foi curto, Akhenaton reinou 17 anos e poucos anos depois de sua morte, em 1336 a.C , a velha ortodoxia estava restaurada. Seus inimigos destruíram rapidamente suas estátuas, demoliram seus templos e trataram de apagar dos registros históricos do Egito tudo que testemunhasse a sua existência. 


No Museu Egípcio do Cairo há estátuas colossais de Akhenaton
De rosto alongado e anguloso, queixo comprido, olhos místicos e absortos, lábios grandes e carnudos. Embora use o barrete de faraó e esteja segurando, cruzados sobre o peito, o báculo e o mangual – símbolos tradicionais da realeza – o tronco de Akhenaton é esguio e termina em um ventre voluptuoso com largos quadris femininos.


A singularidade dessas e de tantas outras imagens levou- se a cogitar se o faraó não teria uma doença deformadora. Hoje muitos acreditam que a aparente bissexulidade dessas estátuas poderia ser explicada pela nova religião, pois Aton possuía aspectos masculinos e femininos. Akhenaton queria romper com mais de mil anos de uma tradição artística e ordenou a seus artistas que retratassem o mundo como ele realmente era. Em vez das clássicas representações estáticas de faraós fisicamente perfeitos, matando os inimigos ou fazendo oferendas aos deuses, os artistas deram ao novo soberano uma aparência muito mais realista. Retrataram o faraó em situações familiares, com Nefertiti e as filhas. Também representaram cenas de natureza. Akhenaton liberou um furor criativo que deu origem a uma era que talvez tenha sido o mais requintado da arte egípcia.




A religião
Akhenaton pode ter sido o primeiro líder monoteísta do mundo, insistia em um deus supremo, um criador onipotente que se manifestava à luz do sol. Via a si mesmo e a Nefertiti como extensões desse deus, também dignos de veneração.


Amenófis III  – rebelião de Akhenaton começou com seu pai, Amenófis III, que reinou 37 anos numa era de esplendor. Usou a riqueza do império para construir um conjunto de monumentos sem precedentes em Karnak e Luxor, centros religiosos do deus Amon, o patrono de Tebas. O próprio Amenófis III considerava-se filho de Amon-Ra. Em uma fase posterior de seu reinado, talvez zangado por causa dos atritos políticos com os sacerdotes de Amon, Amenófis III determinou que ele não era só filho de Amon, mas também a encarnação de Ra – pelo menos igual a Amon. Começou então a erigir monumentos à sua própria divindade, incluindo um vasto templo funerário que contemplava Tebas da margem oposta do Nilo. Nesse templo assomavam duas estátuas suas de quartzita, cada uma com 20 m de altura e 650 toneladas. As ruínas dessas estátuas ficaram famosas como os *Colossos de Memnon*. Com isso estava montando o cenário para a entrada de Akhenaton, que ascendeu ao trono como Amenófis IV.

Casamento – provavelmente já era casado com Nefertiti quando subiu ao trono. Talvez fossem ambos crianças quando se casaram, como acontecera com seu pai e sua mãe, a rainha Tiye. Ninguém sabe de onde veio Nefertiti. Como seu nome significa "a bela que chegou", muitos pesquisadores entendem que ela provinha de uma cidade agora chamada Akhimim, que pertencia à influente família da rainha Tiye. Onde quer que tenha nascido, ela participou da revolução de Akhenaton desde o início. Uma misteriosa segunda esposa – Kiya, pouco se conhece, além do fato de ela ter conquistado o título de "muito amada" e é possível que o faraó tenha construído um grande edifício, conhecido como 'Palácio do Norte' em honra a ela. Alguns acreditam que era a mãe de Tutancâmon. Kiya desaparece por volta do 12º ano do reinado de Akhenaton, e o nome da filha mais velha do faraó, Meritaten é inscrito sobre o de Kiya, nos fragmentos de pedra encontrados no Palácio do Norte.

Na arte e na arquitetura ele adotou uma concepção nova e inusitada. Como o deus dos egípcios passou a ser a luz do sol, eles não precisavam de estátuas em santuários internos e escuros. Assim, construíram templos sem teto e realizaram seus rituais sob o sol. Por um breve período os egípcios acreditaram que o deus-sol voltara à Terra na forma da família real. Houve um entusiasmo coletivo que se torna tangível na arte e na arquitetura. Foi um dos períodos mais admiráveis da história egípcia.

Construção – para construir grandes edifícios com rapidez, os engenheiros de Akhenaton recorreram a uma nova técnica. Como os templos não tinham teto, suas paredes não precisavam ser tão resistentes. Por isso em vez de transportar gigantescos blocos de pedra, os trabalhadores cortavam blocos que pudessem ser carregados por uma única pessoa – mediam cerca de 50 cm de altura por 25 cm de largura e profundidade – e muitos mostravam pinturas de Akhenaton e Nefertiti, outros ilustravam imagens da vida cotidiana. Só na década de 1840 esses blocos vieram à luz pela primeira vez, dispersos pela área de Karnak, e propocionaram as primeiras pistas sobre a existência de Akhenaton.

Ele gastou uma fortuna em seus primeiros monumentos a Aton e tributou os templos de Amon ao mesmo tempo que depunha os ex-rei dos deuses. No seu 4º ano de reinado, os ânimos estavam exaltados, e no 5º ano, houve um momento decisivo. Akhenaton não diz com todas as letras o que de fato aconteceu, mas foi algo que o enfureceu. Ele disse que nem ele nem seus ancestrais haviam passado por algo pior. Talvez os sacerdotes ficaram fartos, reuniram-se e deram um basta, então o faraó abandonou Tebas.


A nova capital 
O local escolhido ficava a 280 km ao norte, na margem oriental do Nilo, em um vale deserto protegido por íngremes penhascos de calcário. Batizou sua nova capital de Akhetaton, que significa "horizonte de Aton". Em editos esculpidos em estelas, o rei conta que Aton revelou-lhe aquela terra deserta e disse-lhe que aquele tinha sido o lugar da criação do mundo. Em um ou dois anos, uma nova e imensa cidade, com pelos menos 20.000 habitantes, brotou ao longo do rio.

Ao contrário de Karnak, Amarna não possui monumentos espetaculares, em seu auge estendeu-se por cerca de 12 km ao longo do Nilo e até 5 km para o interior. O mais grandioso dos templos tinha 750 m de comprimento por 300 m de largura. Seu imenso pátio descoberto continha mesas de oferendas e era ornado com estátuas do soberano. Seus monumentos e suas casas desapareceram, mas os alicerces estão intactos e ninguém construiu novos edifícios sobre as ruínas. É o único lugar onde se pode andar pelas ruas de uma cidade egípcia antiga. Recuperaram: 
  • cacos de louça de barro
  • pedaços de vidro, 
  • resinas e pólen,
  • pêlos de porco e restos de insetos
Localizaram áreas onde eram produzidos:
  • têxteis e objetos de vidro
  • onde se guardava o gado
  • abatiam os porcos
Descobriram que tipos de incenso eram queimados e quais peixes eram pescados, até mesmo quais insetos andavam pelos grãos que os habitantes armazenavam e consumiam. O cupim por exemplo: pode ter sido um problema sério, corroendo a madeira que sustentava muitas estruturas. Uma descoberta importante em Armana foi uma coleção de 350 cartas diplomáticas, numa construção conhecida como 'A Casa de Correspondência do Faraó', entre a corte egípcia e vários governantes da Ásia Ocidental.

Rebeliões – enfrentou uma agitação crescente em seu próprio reino, por volta do 9º ano de seu reinado, pelos sacerdotes de Amon. Irado o faraó fechou os templos de Amon em todo o Egito e o nome e as imagens do deus foram arrancados de todos os monumentos e tumbas.

Mortes – por volta do 12º ano, na época do desaparecimento de Kiya, morreu também a segunda filha do faraó, Mekataten; a rainha Tiye (mãe do faraó); duas outras filhas e talvez até mesmo Nefertiti, morreram nos anos seguintes. E no meio do caos crescente Akhenatom morreu. Ninguém sabe quando nem como, mas inscrições indicam que o 17º ano de seu reinado foi o último. Ele foi sepultado em uma suntuosa tumba escavada nos rochedos orientais de Amarna.

Tutancâmon assumiu o poder cerca de quatro anos após a morte de Akhenaton. Especialistas imaginam que ele estava com 10 anos e foi orientado pelo general Horemheb e um cortesão chamado Aye, talvez pai de Nefertiti. Tutancâmon reconheceu Amon como o rei dos deuses, e em dois anos transferiru a capital religiosa de volta para Tebas. Logo os nomes de Akhenaton e seu deus foram erradicados e seus templos demolidos, e Amarna gradualmente caiu no abandono. O jovem faraó reinou por cerca de 10 anos e morre em 1322 a.C. Radiografias de sua múmia revelaram um ferimento no crânio, alguns acreditam que ele foi assassinado talvez no fim da adolescência.



Família Real – seu paradeiro ainda continua a ser motivo de controvérsia. Uns acreditam que Tutancâmon transferiu todas as múmias reais de Amarna para o Vale dos Reis, defronte a Tebas, na outra margem do Nilo.





Origem:  Revista National Geographic Brasil - abril 2001

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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