domingo, 19 de abril de 2009

Edfu



O templo ideal para se conhecer a vida religiosa no antigo Egito. Tem a vantagem de estar bem conservado e ser perfeitamente clássico. Não foi escavado na rocha, como Abu Simbel, não apresenta a estrutura desordenada de Filae, não provoca vertigem, como Karnak. Seus constutores seguiram escrupulosamente os cânones do templo egípcio. Os ptolomeus quase sempre tinham o traço mais pesado que o os faraós.




Localização e Construção
A meio caminho entre Luxor e Assuã, sobre a margem esquerda do Nilo, o templo começou a ser construído em 237 a.C , no reinado de Ptolomeu III Euergetes. Só foi terminado 180 anos depois, por Ptolomeu XII, que deixou sua marca nos dois pilares da entrada, mandando gravar uma das cenas clássicas nas quais se vê o senhor do Egito arrasar os exércitos inimigos. Com uma porta monumental e uma muralha sólida e larga à sua volta, o templo de Edfu (137 m de comprimento por 79 m de largura) parece uma fortaleza. É o domínio do deus Hórus de Behedet, geralmente representado sob a forma de disco solar com asas de falcão. O bom funcionamento do cosmo dependia do culto a ele prestado, na proporção de três serviços por dia, sem contar passeios no barco sagrado e diversas festividades. Era precedido por uma alameda de esfinges e possuía um par de obeliscos na entrada e um lago sagrado, guardado por dois falcões de granito. No pátio circundado por colunas, vemos a face interna da muralha, esculpida como se fosse uma imensa história em quadrinhos; que as areias do deserto conservaram até 1860, preservando-o das agressões naturais e principalmente das humanas.

O  Culto
Um templo egípcio nada tem a ver com uma igreja, uma mesquita ou uma sinagoga. Não era um lugar em que os fiéis se reuniam para rezar ou assistir a uma cerimônia religiosa. O sacerdote egípcio não era depositário de uma verdade revelada, mas sim uma espécie de funcionário, com poderes delegados pelo rei para celebrar no lugar deste os ritos necessários ao bem andamento do universo. Para entrar no local santo, tinha que purificar-se duas vezes por dia, aspergindo-se água e lavando a boca, após ter raspado o corpo inteiro, até mesmo as sobrancelhas. O templo de Edfu não era aberto ao público. A multidão ficava do lado de fora, meditando sobre as façanhas militares do soberano e admirando as bandeirolas agitarem-se ao vento. Não conheciam sequer os 14 andares de quartos existentes nos pilonos. No máximo, permitiam-lhe entrever o interior do edifício quando o portal era aberto.

Como todos os grandes templos, Edfu era uma verdadeira cidade, que empregava milhares de pessoas. O egiptólogo Serge Sauneron explica em seu livro Les Prêtes de l'ancienne Egypte(Os sacerdotes do Egito) de 1957 como começava o dia ali:
O Egito dorme. Sobre as cidades e o campo, sobre o Nilo e o deserto, o silêncio se espraia. Entretanto, atrás da alta muralha sagrada, no terraço do templo, um homem vigia. Sentinela das constelações, nota, no declínio das estrelas, a passagem das horas noturnas. A noite se esgota; já é hora...
A seu sinal, todo um bairro da cidade divina desperta. Luzes aparecem, fogos são acesos. A vida recomeça. Em algumas horas, o serviço sagrado terá início, tudo deve estar pronto. Os ateliês, as lojas, as padarias animam-se: os escribas entregam aos contramestres as listas das oferendas do dia; é preciso apressar-se. Enquanto são acesos os fornos e preparados os pães e os bolos, os açougueiros abatem o animal do sacrifício, que um  sacerdote veterinário reconheceu como puro; frutas e legumes são postos em travessas; contadores logo vão registrando os produtos previstos para a oferenda, capelães purificam as peças de carne com água do poço sagrado; na surda animação dos ateliês, o tempo passa (...)
O céu já embranquece no oriente. Então ganha vida outro bairro da cidade religiosa: os sacerdotes saem de suas casas e, em pequenos grupos, visíveis na penumbra por causa da brancura de seus trajes de linho, dirigem-se para o lago sagrado. Pelas quatro rampas laterais, descem até a água sobre o qual paira uma névoa. Ao fazerem suas abluções, não só purificam o corpo como também se deixam invadir por toda uma vida divina...

A primeira sala hipostila (com teto sustentado por colunas) tem ao lado um pequeno cômodo, chamado "casa da manhã": os sacerdotes ali se purificam mais uma vez antes de se aproximarem do santuário. A segunda sala hipostila dá para um laboratório cujas paredes exibem inúmeras inscrições hieroglíficas: são as fórmulas de todos os perfumes utilizados na cerimônia. Quanto mais se penetra no templo, mais os tetos se abaixam, mais as salas encolhem e escurecem. Chegamos à sala das oferendas, para onde traziam bandejas repletas de mantimentos, em meio a uma procisão, a fim de saciar o apetite divino. Só falta conhecer o santuário, ocupado pelo sacrário, um imponente bloco de granito cinza de 4 m de altura. A estatua de  Hórus ficava guardada ali. Consideravam essa escultura recoberta de ouro e pedras preciosas a encarnação do deus. Somente o soberano e o grande sacerdote tinham acesso a ela, pela manhã, ao meio dia e à noite, para renovar as oferendas, lavar, vestir e adornar a figura de pedra.
  • Hórus era levado regularmente para passear no lago sagrado. Uma vez por ano, na primavera, navegava pelo Nilo ao encontro de Hathor, deusa do amor e do prazer, que vinha do templo de Dendera. Hórus levava Hathor para passar a noite em Edfu. Era sua união anual. Depois de visitar alguns santuários, a deusa voltava a seu esplêndido templo com 13 criptas, situado 159 km mais ao norte. E a vida recomeçava.


Fonte: do livro 'Egito um olhar amoroso'

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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